Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O Ruído Branco

Olhar de vidro
Vazio
Tentando achar padrões
No ruído branco

          “Seis, sete anos. Madrugada de terça. TV ligada no quarto, sem som. Encaro a pia do banheiro sem pressa. Restos duma taça de sorvete colore o branco louça. O movimento entusiasmado da colônia de formigas é um hipnótico frenesi fabril. Me debruço sobre o granito da bancada que sustenta e devora a pia. Meu olhar atento, paciente, onipotente, sobrevoa o viveiro. Barulho silente. Anima. Retiro a taça. Tapo o ralo. Libero a água. A onda salta – fria – no côncavo da pia. Desespero e terror. O nível sobe e com ele pequeninos corpos pretos, vibrantes como espermatozóides sem cauda. A pele aquosa do nano oceano chega quase junto à margem da bancada. Pauso. A flor d’água acalma. Lá fora começa a chover. Leve. Forte. Fortíssimo. Algo no céu me acompanha. Tomo nas mãos o cabo da escova. Escolho, entre as dezenas de pontos frementes, o primeiro. Cutuco de leve. Ela desce uns três ou quatro centímetros com as minúsculas patas debatendo-se entre a vida e a metafísica e então volta ao topo pra uma última fungada de ar. Um toque mais pungente e ela segue até o fundo. Filosofa mais, formiguinha, tenta emergir pra realidade. Ela vem subindo; galga cada milímetro, estóica, com as patas céleres vibrando, parecem ranger. Até – a meio caminho – darem a derradeira espreguiçada pra vida, descendo suave pro fundo.

         E eu, moleque-deus, só interrompo o genocídio quando o sono bate.”

TV ligada, sem som.
Encaro a pia do banheiro sem pressa, sem preces.

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