Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

De dentro dos olhos vermelhos ela disse:
- Não te dou mais uma linha! Meia palavra, letra! Tô cansada desse vício escroto de viver e morrer de amor. De me reerguer, de remodelar tudo de volta, de novo pro próximo vir destroçar. Essa dor já nem parece mais dor. E nem sei mais que porra que parece...
E eu só pude dizer:
- Querer!
Querer até corroer o risco
Querer até que se desprenda a alma
Querer até espumar os olhos
  Até engolir os sóis
Até matar uma criança
Até gestar deuses
Querer até raiar o impossível!
Ela:
- Papinho de merda!
E eu só pude dizer:
- Eu sei, mas é que tu tem que parar de ler essas revista. Vem cá logo e me beija.
E ela se deixou levar pela nuca.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A América é uma beleza. (resumão capenga)

A viagem foi muito bacana, mesmo com o cancelamento do show do Iggy - malditos punks da terceira idade! - e com um roteiro família especialmente pautado em compras pro enxoval dos gêmeos da Nessa. Mas deu pra tirar alguns dias e algumas noites pra mim.

San Francisco é mesmo a cidade foda que eu imaginava e talvez até mais. Conhecí a Haight/Ashbury esquina-símbolo da contracultura hippie e do Verão do Amor em 67, e seus arredores. Pubs, aluguel de fantasias pra freaks ou rockstars em ascensão, museus com artigos de necrofilia à venda, bandas de folk-rock sulista tocando na rua, livrarias undergrounds, vendinhas de produtos orgânicos, lojas de artigos canábicos (nunca me ofereceram tanta maconha num dia, contei catorze), esotéricos, vintage, camisas e camisas e camisas tie-dye do Greatful Dead. Isso meio que define os cinco ou seis quarteirões da avenida princiipal do The Haight. Mas essa definição, pra mim, não estaria completa sem a menção da maior loja de discos independentes dos Estados Unidos, Amoeba Records, onde comprei oito quilos de vinil que me pesaram o resto da viagem toda, gastei umas boas três horas e não conseguí matar a loja inteira. Um show legal de uma banda de electric blues tomando as melhores cervejas californianas (comandadas pelo amigo e estudioso de cevada, Ricardo Gluckpaul) fizeram uma das melhores noites em San Francisco, no Biscuit & Blues.

Cheguei em Vegas só pensando no show dos Stooges. A cidade não tem absolutamente nada a ver comigo. Tudo monumentalmente artificial, roleta pra todo lado, o conceito "winner/loser", fundamental no espírito americano, materializado em uma cidade no meio do deserto. Bem simbólico, na verdade. E meio deprimente também. E o fato de saber em cima da hora que não rolaria o show que provavelmente seria o ponto alto da viagem deprimiu um pouquinho mais. Porém, um pouco de sarcasmo e fair play conseguiram me salvar. Fui com a famíia para um show do Rod Stewart (!!!), o que foi agradável pela bizarrice. O cara é uma espécie de Fábio Jr. sem noção. Os mesmos trejeitos, o mesmo charminho, a mesma audiência. Mas pra ter uma idéia do chute de balde do cara, logo na primeira música docemente intitulada Love Train, o imenso telão roda este vídeo clássico.

Seguimos pra San Diego e tudo o que eu esperava da cidade era uma parada praiana. Não, não levei sunga. Mas a parada me surpreendeu. Uma cidade extremamente charmosa e simpática - aliás, justiça se faça, em todo o tempo que estive lá tive pouquíssimas situações de antipatia e falta de educação do povo americano, sempre solícito, polite e de sorriso no rosto; imagino se não estivessem em crise. Ok, os passeios com a família giraram mais pelas áreas abastadas e balneários caros. Mas, mesmo assim, um passeio solitário por uma feira mais afastada do centro e perto da praia, com brechós, lojas maconhísticas, tarô e mais produtos orgânico (parece que toda a cidade da Califórnia tem uma porra duma rua dessas) se mostrou bem agradável. A night surrpreendeu também. Conseguí sair toda noite pra um dos centros noturnos da cidade, os arredores da 5th St, talvez o mais quente dali. Meu hotel ficava há umas sete quadras limpas e cheirosas do lugar. As indicações me mandaram pra um pub irlandês no final da rua, com decoração irlandesa, cerveja irlandesa, um velho irlandês com um violão irlandês todo fudido tocando música irlandesa, e quatro americanos tipicos, tipicamente bêbados, pedidndo a típica Blowin' In The Wind. Tomei umas duas Guiness típicas e subí a rua pra ver se achava algo melhor. Umas quadras acima, depois de bares e restaurantes lotados, filas de boates se alongando com maurícios e negões que pareciam ter ido no salão fazer cabelo e unha pra noite, entrei num boteco chamado The Stage onde se apresentava a pior banda alternativa da costa oeste. Eu adoro bandas low-fi, mas aquilo era demais. Era tão ruim que dava vontade de ver how low could they go. É fato que a vocalista - uma japonesa linda e desengonçada - ajudava como atestou um velho moído e deslocado do meu lado no balcão: "the girl is the band!". A banda matou o show logo e começou um dj de hip-hop. Saí. Voltei dois dias depois pra ver uma banda cover de hard rock/metal farofa. O lugar mais cheio parecia também mais pronto pro show. Um grupo de umas sete grupies, metade oriental (como esses bichos proliferam por aqui!) piravam na moçada da tal banda e um americano médio tentava pular e bater palmas. A banda tocava bem, mas a idade (a mesma minha, por sinal...) ajudava a dar o ar decadente próprio do hair metal. Fiquei tomando uns shots de Jack Daniels como o momento aparentemente pedia, em homengem ao Peracchi e ao Damaso. Foi divertido pacas. Mesmo não conhecendo nada do que os caras tocavam. Quando lado B do Möntley Crüe já tava ficando demais, eles anunciaram as três últimas da noite e emendaram Skid Row (18 and Life), Ac/Dc (TNT) e Ozzy (Crazy Train). Cantei junto com o sexto shot derramando no bar. E quando uma moçoila esticou um papel escrito "why don't you come on to the jungle with us?" o vocalista emendou "nós não tocamos essa música, beibe!". Não me contive, pedi a saideira me babando de rir. O resto da noite continuou estranho. Me meti num inferninho escroto que só rolava drum'n'bass. Saí andando sem rumo até chegar num outro pub onde quase me meto em merda quando outro americano médio ficou aparentemente querendo me tirar um sarro. Mas na America tudo é belo. Mandei ele se fuder, ele me mandou também, cada um virou de biquinho pro seu lado e pronto. Esse é um país com culhões.

No dia anterior havia encontrado de novo com Gluckpaul e sua turma (uns nove) e começamos a noite tomando num boliche. Eram umas 10 e meia e esta turminha da pesada já vinha se exercitando desde à tarde (onde Maneca e Ricardo haviam se metido numa competição de beer bong que só as imagens registradas da comemoração dos dois pela vitória em cima dos caras "da casa" podem descrever com mais precisão). Saio pra fumar e um cara vem me pedir cigarro. Me diz que é Stephen e começa a me contar que veio de Michigan e que tá fudido. Tinha vindo junto com o melhor amigo tentar um emprego "go west" e que deixou filha e ex-mulher pra ver qual é. Tavam há dois dias na cidade, sentaram num bar e, quando ele voltou de uma mijada, o cara e a sua mochila com todos os seus pertences (grana, roupa, identidade, seguro social, foto da filha, os caralhos) tinha evaporado. Continuei trocando idéia e ele me fala que a sogra era gente boa, que nem entendia o porque tinha entrado nessa, que a promessa era boa, que conhecia o cara há uns tempos, que já tinha sido salvo por ele numa situação lá, que não sabia o que fazer. Eu, mister simpaticão, respondi "bicho, tá foda mesmo pro teu lado, né? faz o seguinte, vamo tomar uma comigo hoje! Tô com uma moçada aí do Brazil, todo mundo é gente fina... friendly people... coisa de brasileiro, saca? É assim mesmo, desencana pelo menos hoje". Acabamos o cigarro no frio da calçada e a moçada me chamou pra matar a conta. Enquanto eu vou lá ele vai pro banheiro. Chego lá, todo mundo bêbado, rindo das estórias que passaram em Alcatraz. Tinham pago a minha conta e estavam decididos a ir pra casa, com a distinta excessão do Ricardo e da esposa e escudeira, Luciana, que fizeram questão de continuar numas cevas comigo. Subimos dois quarteirões até chegar à Quinta, andamos uns quinze minutos num papo bacana atrás dum bar decente. Enfim, me dou conta que deixei o tal do Stephen no banheiro do boliche. Rí: Puta que pariu! Só a ironia me salva. Entramos num pub, o papo e a noite seguiram beleza até um pouco mais tarde.

De lá, seguimos pra mais uns poucos dias em Miami até voltar pra casa.

Esses foram uns highlights cheio de lacunas da viagem com a família. O resto que interessar vou contando por aqui ou tomando umas.

Aê.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Limpando a casa 3


Às vezes tu tá tão fodido
Que simplesmente faz sentido
                                   Ao factótum Chinaski

O grito vem mudo
E a dor se faz jus
Da garganta saltam pepitas de pus

O peito duro e seco
Secreta meu segredo
E eu me sujeito
Arruinado
Ao espaço vazio do quarto
De fora do quarto
De dentro do peito

Ela foi embora mais cedo
Mas eu tinha ido antes

As bolsas dos olhos guardam tudo
E ficam cada dia mais pesadas
Saco o último filete de vinho na garrafa
E me vem a mesma náusea escrota de que vou amolecer

Engulo o choro

Enquanto houver estômago
Há fel


Nevasca

Os olhos ardem
Nessa brancura doente
Descompassada
Como teu abraço
À distância

Os olhos doem
Densos de neve e nervos
De te ver
Pelo o nublado real
Nua e quente
Se afastando entre as mesas do bar. 


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Limpando a casa 2


Um Bilhete Num Vaso Vazio.

Eu ainda teimo em, a cada visita, tentar ver um fio que seja daquela afobação juvenil se esgueirando através de um gesto teu, um sinal qualquer, talvez balbuciado. Algo ainda deve estar lá. Pego a tua mão com um carinho que não me permitirias naqueles dias de risos furiosos e talheres que cortavam o ar. Meus cigarros queimam bem mais rápido nessas tardes de conversas sem som, angustiado pelas gentis condolências das árvores e do amargo paraíso de tranquïlidade que a enorme janela à nossa frente nos empurra retina adentro. Talvez corras solta no fundo do que sobrou da tua mente, talvez deites lânguida e arranhes e beijes e brinques a sério com tuas certezas que tiveram de ser trancadas aí dentro contigo. Revelações afiadas demais para o mundo aqui fora. Cacos de espelhos que desarmavam a velha e te criaram estigmas. Teus pés – curvados pra dentro enquanto sentas numa poltrona confortável demais – já não me dão o compasso e os contrapontos da vida em nossos bailes matinais na varanda de casa. Meu rosto aconchegado à altura do teu colo sentia teu peito pulsar uma vida maior do que a de qualquer coisa que tenha se manifestado nos arredores do meu pequeno mundo. O álcool na boca do velho ausente e o éter nas unhas da carola velha farejaram pares na solução fácil dos homens brancos de razão. Hoje mamãe recebe em casa as amigas da igreja cheias de lembrancinhas e elogios supérfluos, soterrando toda a memória das verdades oferecidas impiedosamente por ti. Não os quero mais por perto. O que fizeram contigo é tão abominável que mesmo eu – que tento entender o que pode ser o amor – não suporto as poucas horas ao teu lado, estática e ausente, sabendo malmente respirar. Vou embora pro resto do mundo e espero que essa missiva derradeira que acomodo nas tuas mãos inertes chegue a ti de alguma forma, nem que seja pelo resto de salitre que ainda insiste em dar algum tipo de brilho e esperança ao meu olhar.


Batom e Outras manchas difíceis de lavar

Ela me vestia com o orgulho de quem dá a luz
E me pintava os tons de quem já foi amada
Me perfumava em rosa e me floria em laços
Nas tardes longas em que ele seguia a estrada

Seus vestidos longos sobre as minhas calças curtas
Sapatos fundos e os passos tortos não me faziam mal
Largava meus soldados sós com o peso do seu chumbo
Pelas plumas me afagando o rosto num segredo umbilical

Nos sentindo seguros por aquelas outras festas
Esquecemos que para o susto não há previsão
Talvez o bar fechado pelo luto de um conviva
Ele chegou antes das cortinas perderem a função

O punho direito acertou-me em cheio
Ao vê-la caída, apoiada na escada
Com o fio carmim se fundindo ao vestido
E a mandíbula perfeita totalmente destroçada

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

I should be a polar bear, but It's impossible.




Bird Mad Girl

This girl has got a smile
That can make me cry
This girl just burns with love
She's burning burning deep outside

Night time night time
Sets my house on fire
I'll turn into the melting man
I'll lose my life
To feel I feel desire

Oh I should feel
Like a polar bear
Like a polar bear
It's impossible

She flies outside this cage
Singing girl-mad words
I keep her dark thoughts deep inside
As black as stone
As mad as birds

Wild wild wild
And never turn away
Sends me all her love
She sends me everything
She sends me everywhere

Oh I could be
A polar bear
Oh I could be
A polar bear
But it's impossible

I try to talk
The sky goes red
I forget
So fill my head
With some of this
Some of that
Some of every word she said

Oh I should be
A polar bear
But it's imposible

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Refreshing



A Pillow Of Winds

A cloud of eider down
Draws around me softening the sound
Sleepy time when I lie
With my love by my side
And she's breathing low
And the candle dies.
When night comes down you lock the door
The boot falls to the floor
As darkness falls the waves roll by
The seasons change
The wind is warm.
Now wakes the owl, now sleeps the swan
Behold a dream, the dream is gone
Green fields
A cold rain is falling
Near the golden dawn.
And deep beneath the ground
The early morning sounds and I go down
Sleepy time in my life
With my love by my side
And she's breathing low
And I rise like a bird
In the haze and the first rays touch the sky
And the night winds die.

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sábado, 20 de agosto de 2011

A Iguana e Os 3 Patetas

Acabei de comprar meu ticket to dive: vou pro show do Iggy e os Stooges em Las Vegas. Hoje eu sou um adolescente feliz.



Tomar umas aulas com o velhinho.

Sou um homem sem fins lucrativos. Doente porém vivo. Eu quero é que se foda!






Vou morrer botando fé no Fest-a-Lozzi.

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sexta-feira, 19 de agosto de 2011


ela me pediu um lance
me pediu uma dica de banda pra ouvir enquanto pedala
me pediu que o céu germinasse pra que os pássaros comessem das nuvens
me pediu o sol e só

ela me pediu uma noite
me pediu pra largar as caretas e os vícios
me pediu pra listar virtudes
e pra usar band-aids

ela me pediu o mundo
me pediu mais histórias, mistérios que nos alimentassem
me pediu paisagens, gente, gente
e um postal do meu quarto

ela me pediu um tempo
me pediu que a vida simplesmente vivesse
me pediu que não lesse o horóscopo
e que tomasse os remédios

pediu pra que eu fosse feliz

e me pediu tudo num silêncio tal
que nem mesmo ela ouviu

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Feliz dia dos pais atrasado.

Ontem eu encontro com Denis Haruo já há um bom tempo longe, em Floripa. No meio do papo ele me conta o seu diálogo com Logan, filhote de 8 anos de idade que mora com a mãe aqui em Belém:

- Pai, por que você não vem morar aqui?
- Por que isso, Logan?
- Por que você não vem morar aqui, oras?
- Tu sabes se eu sou teu pai?
- Você é meu pai!
- Quem te disse que eu sou teu pai?
- Ninguém me disse.
- Então como tu sabes?
- Eu sei.
- Tu queres mesmo que eu mude praí?

Tá aqui desde abril, o patife.

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quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Limpando a casa.


ventrículo


vinte uma pequenas serpentes
num fluxo do ventre ao esôfago
do externo pro íntimo
escamas enroscando o tórax
vórtice ardil

cálido como não se sabe a morte

o enlace não é novo
presa que me abate

domingo, 13 de fevereiro de 2011

nuvem de pássaros no pátio central

dissolve a morte
no golpe terno e inexato: não-parto

chutando a fé dos degraus
expio o terror que me erode  
as pontas dos dedos
as lentes
os arames armando
meus gestos
meu crime de gesso

dissolve liturgias

conflui          oscila          implode         evade          transborda

a língua negra da manhã
me amarga o café
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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Patético

Atravessei com cuidado a porta do escritório que bateu violentamente às minhas costas. Segui através das baias sem muito norte, com os olhos pescando ângulos e esquinas, imagens tão incontroláveis quanto banais. Uma impressora. Um sapato quase desamarrado de algum cara. A cortina presa no canto da janela. E as pessoas, obstáculos borrados antes da porta de saída. Agarrei firme a empunhadura da pasta e mantive o passo firme enquanto os olhos ainda vacilavam. Tentava manter o ritmo da respiração embora fosse difícil. Lenta e pacientemente a fumaça ia preenchendo o peito, avançando pros ombros, transbordando pela traquéia. Já senti isso aí outras vezes e sei aonde dá. Ou, pelo menos, eu sempre acho que sei.

O que eu não sei é como esse ódio tímido vai inflando. Venho afundando sem motivo aparente desde antes de o Pedro nascer. O elevador chega antes de eu chamar. Entro, pressiono o subsolo e ele sobe. Os três ocupantes permanecem inalterados. A combinação de números no painel, por alguma razão bizarra, me incomoda.  Seis, onze, treze. Busco alguma lógica na combinação para aplacar a raiva que cresce peloss três estarem subindo e eu descendo. Imagino as três mandíbulas travadas mordendo seus risos de escárnio pra que eu não note nada. Respondo o boa tarde de cada um com um movimento mudo de lábio. Amabilidade não é nada além de graxa. Não, claro que não. É uma demonstração de respeito gentil, necessário, talvez seja até próximo do carinho. É irreal, maquiagem deformando a verdade. Então eu deveria quebrar a mão da mulher que desceu no onze? Não porra! Deveria. A aterrissagem no subsolo me faz dobrar as pernas mais que o de costume. A chave do carro sempre engata no meu bolso e a da porta de serviço salta pro chão quando eu puxo a primeira. Eu sempre me flagro caindo nessas trapaças cotidianas, tolas, desimportantes. Pelo menos uma vez por semana elas tramam e me pegam. Por nada! Absolutamente nada. É a cidade obrigando a me curvar – pois se ela oprime de fato, essas malditas chaves são definitivamente objetos ativos dessa entidade urbana. Percebo a fumaça se avolumando.  Respiro.  Franzo a lateral dos olhos num desespero controlado.  Deus... ao menos foca a atenção na rua. Tu sabes que dá pra segurar isso tudo se parar de pensar. Aproveita que o transito tá tranqüilo. E tá mesmo. Mesmo pro meio da tarde. Dá pra sentir no balançar dos canteiros, nas esquinas mornas, algo suspenso, nostálgico.  Tentando achar o céu entre os prédios começo estremecer de culpa. Firmo a direção. Olho alguns cantos do carro como se fosse achar a origem da culpa e evito o céu a qualquer pena. Respiro. Respiro. De novo. O carro da frente me força a parar no sinal. Ligo o som, abro a janela e vejo um cachorro morto deitado impávido no meio fio. É uma cena e tanto. As patas parecem trotar enquanto o pescoço gentilmente empina a cabeça para trás. O rádio começa a sussurrar uma música de novela quando noto, com algum assombro, que aquela imagem tristemente heróica não me comovia em absoluto. Tento pensar no sacrifício do meu último cão e nada. O sinal abre. A indiferença me perturba. Ela não devia pelo menos me trazer alguma paz?  Puxo o ar. Solto o ar. O peito continua a inchar. Me assusto com o barulho tão habitual da grade da vala na entrada da garagem.

Acendo os faróis até a vaga. Manobro. Não consigo entrar. Vou pra frente. Outra ré. A vizinha deixou o carro em cima da faixa. Estaciono rente ao pilar tento abrir a porta mas o carro está colado ao vizinho e então torço o corpo pra sair pelo carona. Checo as mensagens inexistentes no telefone pra me guiar e proteger da escuridão até o elevador. Eu só quero entrar no apartamento. Só quero um copo de suco. Logo no térreo um garoto entra. Sem dizer uma palavra, me dá as costas e se volta para o painel onde escolhe seu andar. Porra que palhaçada é essa? Vergonha? É medo essa porra? A cabine pára no terceiro. A porta nem chega a abrir e o moleque aciona o botão de fechar. Repete o mesmo no quinto e no sexto. Meu incomodo dispara.  Desce no oitavo andar e eu estou olhando o chão, tentando afastar a imagem do cão estoicamente destroçado de uma vez por todas. Lembro do Pedro. A porta do elevador abre. Caminho o corredor tentando resgatar a chave de serviço do fundo do bolso. Começo sentir um  certo alívio e entro em casa.

Largo a pasta no chão. Sento curvado no sofá. Ligo a TV e sigo pro quarto do Pedro. Uma voz alegre fica ambientando a sala quando eu entro. O leve cheiro do recinto me dá vertigens e eu não consigo compreender bem. Penso no cão. Penso no garoto. Ouço um cão. Gritos de garotos. Vou atrás do suco. A voz na tv pede um singelo ato de doação. Sigo pro sofá tomando uma caneca de suco. Sinto dificuldade em engolir. Um avião passa próximo demais. As crianças gritam. O sufoco volta, Forte. Tenho que me concentrar na tv. Eu sei disso. Ela, alegre, diz que isso não é nada, doando você preenche as lacunas. Da sua vida e da de alguém. O cão rosna. Isso não é nada. Sinto o ombro estremecer. Um ódio genuíno toma cada cavidade do tórax. Levanto, vou devolver a caneca pra cozinha. Três passos. Estou estático. A boca enche de saliva.Um carro grita. As crianças latem. Ouço a minha voz sair como quem traz o luto engatado na garganta: “que é isso? eu não sou assim!”

Tento impedir o urro. Escapa profundo, vivo, terrível. Um som incomum, gutural, colérico. A superfície da pele estremecia como se estivesse fatigada por uma torrente de rancor irracional forçando nervos, fibra, músculo a expurgar culpa e energia.

Estou parado no meio da sala tentando reconhecer meu próprio apartamento. A vizinha vem à mente: mas que merda... Será que chegou lá embaixo? Ah, constrangimento! Constrangimento é pensar em constrangimento agora. Porra a vizinha? A portaria? Vem o primeiro soluço. Não... Isso não adianta. Quase dois anos nisso e nada aliviou. Os dedos das mãos e dos pés se contraem entrelaçados, tentando segurar o desespero crescente. Chorar é pior. Sempre me vejo fazendo algo teatral quando acontece. Como se eu enganasse, mostrando a quem quiser o quanto dói. Aí então alivia e tudo parece uma farsa ainda maior, dor volúvel. Mas dói, dói de verdade. O quanto dói? Não pode doer mais? Pode. Hoje, não foi diferente? Não deixou os episódios do ano passado bem mais leves, simples? A caneca bate na pia e faz mais barulho do que eu esperava. Pego um prato e a faca de cortar frutas. Se ela pudesse ficar com o Pedro na casa da avó... Só hoje... O soluço volta. A faca escorre pro antebraço. Essa merda que eu vivo no fundo me parece banal. Caralho, esse choro, gente desconhecida no escritório, elevador, trânsito, gritando no meio da tarde, agora é tudo cena, um teatrinho risível. Eu supunha que a dor ao menos desse alguma dignidade, mas o que eu vivo é patético. Não me deixa nem doer direito.

O fio risca o meio do antebraço. Uma linha carmim brota, se transforma numa gota, oscila um pouco e cai no alumínio da pia. Patético. Lavo o braço no jato frio da torneira. Pego a caneca e tomo o gole que restava no fundo. 

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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O que você faria com um sampler vintage e uma loja de discos?

Início roots e fodaço!



Duas do penultimo. Menos experimental, mais indie, mas ainda foda.



My Bloody Valentine deu mole com as células-tronco: Serena Maneesh.



Filhote segue os passos mas faz birra pra ganhar um i-pad pros efeitos e beats.



Sente os hormônios no recreio.



A mãe bastarda mandando ver toda exuberante na flor da idade.

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Aquecimento.

Encosta o carro e disca o número. Chama uma, duas, cinco vezes. Ouve um pequeno chiado antes da voz de uma modulação enjoativa que ele consegue imaginar o perfume que ela está usando.

- Grupo Gerador São Paulo. Patrícia. Em que posso lhe ser útil?
- Mal!
- Senhor, não entendi bem.Você poderia...
- Dirige mal pra caralho.
- Que? Senhor...
- Não sabe guiar. Um barbeiro de bosta. Vocês não perguntam “como estou dirigindo?” mal pra caralho.
- Mas quem liga pra isso, deus meu? O senhor vai me desculpar, mas com esses modos não vou poder lhe atender. O que o senhor deseja?
- Dizer que tomei uma cortada tão filha da puta de um caminhão de vocês  que por dois dedos um fretado não destrói  a minha traseira com minha tv, o ventilador e os cacete dentro.

Uma carroça carregada de madeira e refugo passa rente ao retrovisor e ele pode ver o carroceiro saltando apoiado em cima da carreta como se conseguisse frear. O olhar fulminou o homem na carroça que seguiu com um sorriso que era escorria deboche..

- Senhor, todos os nossos motoristas são registrados e fazem um teste lá que é bem puxado.
- A senhora não pode estar falando sério.  Esse escroto por pouco não arranca o meu pisca da esquerda, jogou um celtinha de lado que quase sobe uma garagem. Rasgou o amarelo sem um pingo de colhão pra enfrentar quem ficou no vermelho. Vocês deviam pelo menos me mostrar a cara desse filho da puta.
- Caro cliente, a Grupo Geradores São Paulo tem disponível para locação grupo geradores que variam de 2,5 KVA...
- Hã?
- Até 500 KVA. São doze anos de tradição atendendo construção civil, minerações, empreendimentos, emergência, eventos e etc.
- Mas que porra é essa?
- Caso o senhor não possa vir ao nosso escritório, posso efetuar o seu cadastro em um instante. Adianto que não atuamos no ramo de auto-escola, mas o que o amigo precisar de gerador, conte com a gente.
- Puta que pariu, mas que merda é essa? Tô com um assunto sério aqui e uma filha da puta vem fazer graça com a minha cara?! Quem tem que mostrar postura pro consumidor falta com o respeito. Em que porra de cidade a gente vive? A gente vê isso na rua, igual a esses motoristas de merda de vocês. Esse trânsito é a porra duma foto da sociedade que anda nele. Um canalha entra no carro, fechado lá dentro se sente protegido, pode fazer a merda que quiser. Aí mostra a calhordice de fechar cruzamento, dá cortada nos outros. Marmanjo enfrenta velhinha, velhinha...
- Osíres, traz mais papel aqui que a impressora ta engolindo tudo.
- Alô! Alô? Sua filha de uma putíssima!
- Vá toma no cu.
- Me ouve aqui! Não desliga essa porra. Porra.

Trinca o visor do telefone com um golpe no painel. Então recosta a cabeça no banco. Inspira uma, duas vezes.  Mantém o pé na embreagem e engata a primeira antes de virar a chave do carro. Liga subitamente o limpador do pára-brisa no lugar do pisca. Se assusta com o barulho da borracha contra o vidro. Desfaz o engano. Olha para a pista. Acelera. Faz a volta. Sube a rampa do posto e as rodas giram lentas até pararem em frente à conveniência. Segue direto para o balcão, quer um free e um halls azul. Encosta perto da porta de vidro de onde pode ver dois moleques apedrejando uma caixa de correio; um vira-lata rosnando pra uma bicicleta. A boca esboça algo entre um suspiro e um sorriso. Mastiga o primeiro drops de halls e pensa que já é hora de pegar a estrada.

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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Fórceps

(para Paula)
colhe meus olhos
duas luas
escumadas num céu oco

minha órbita obituária

trinca a casca embaçada
na violência do sussurro
pra que eu ainda assista
a uma centelha levitar no espanto

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Primeiro Milagre no Convento Tomasino

A espuma havia se adensado o suficiente e agora escorria vagarosa pelas costas da freira. “É meu último banho, assim, gelado” pensou alto enquanto desligava o chuveiro ancião. Com cuidado e delicadeza enxugou os ombros, o colo, os braços, ancas, pernas, pés e num pequeno malabarismo ritual enrolou a toalha na cabeça. A porta rufou com as batidas da Irmã Constância, um preciso auto-retrato sonoro de austeridade e frieza. Sua voz, embora abafada pela madeira espessa da porta, ressoou de tal forma pelas paredes azulejadas do banheiro que Sofia pareceu sentir o ar adensar.

– O padeiro estacionou a motoca na lateral do refeitório. Não achei que irias até o fim com esta sandice, Irmã.

Irmã Constância marchava escada abaixo, despertando um alvoroço neurótico nos ratos comprimidos pelo assoalho, quando a cabeça de Sofia projetou-se tesa pelo vão da porta. Esqueceu o terço amarrado no canto da pia e caminhou com passos largos até o quarto abraçada ao roupão como se tentasse evitar que o ímpeto de coragem decolasse do peito nu e fugisse assustado pela janela, de volta pro mundo.

Vestiu o jeans como se fosse hábito: era tão bom descobrir o corpo. Abotoou a blusa convicta, calçou os sapatos. e empunhou a pequena mala. Seguiu célere em direção à sala do capitulo para alcançar a saída pelo refeitório onde se despediria da Irmã Maria, entregando-lhe seu livreto de orações particular e receber em troca a medalhinha consagrada de São Tomé que a amiga apertava nas mãos desde os doze. Cruzou o triste jardim do claustro respirando sopros duma ansiedade feliz. No momento em que adentrou o capítulo, pode ver a corpulência de Irmã Constância pousada ao lado do pequeno altar no fim do corredor. Apertou o passo segurando a mala contra o peito, o olhar mirando o chão com os movimentos serpejantes dos arabescos induzindo-lhe vertigens. Pensou que conseguiria alcançar a entrada do refeitório sem precisar ter com Irmã Constância no preciso momento em que esta levantou a cabeçorra ampliada pela túnica.

– Abandona O Filho e O Pai na mesma fuga feito uma adúltera!

– Não abandono ou traio quem anda comigo e me protege. Abandono a casa.

– A noviça Sofia teve sua chance de optar pela consagração já faz alguns anos. Ela assumiu os votos com o amor do Senhor. Hoje, a freira Sofia, como uma mulher de fé, deve honrá-los sob pena de excomunhão.

– Não se conhece o amor na escuridão dessa clausura, Irmã. Desculpe, João Paulo me espera. Adeus.

– Um padeiro! Largas o amor sublime e majestoso d’O Rei dos reis, rejeitas a eterna compaixão do Salvador pelo padeiro?! Tua mãe guardiã da memória do teu velho pai vai definhar quando souber desse desvario. Ela que sempre entregou o que tinha de valor aos desígnios de Deus e do bem da Santa Igreja. Que confiou a mim a guarda e condução dessa filha que agora se deixa desviar... pelo padeiro?!

– Ela já sabe, Constância. Sabe bem mais do que imaginas.

A buzina aguda e fanha da moto do padeiro tocou do lado de fora do convento. Sofia sentiu a plumagem do rosto eriçar e virou-se para a porta. Mas antes de ganhar o mundo procurou o altar para fitar a imagem altiva e indiferente de São Tomé por um breve e último instante. Retomou tão depressa o caminho da saída que não pode observar nos olhinhos entalhados do santo, uma gota pequena e cristalina intumescer numa leve cadência até romper-se riscando de cima a baixo o rugoso rosto de madeira.

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Introducing: Sebastian Maya

Introducing: Sebastian Maya by Gbandini

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011