Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pulso

desde
meu microscópico
e íntimo big bang
esse ritmo cíclico
mal e bem
vai e vem

vou e venho

acordando de um sonho
molhado
de angústia e medo
num coito interrompido
desamortecido e
desnorteado e
tudo continua certo
no mesmo lugar
as paredes ainda brancas e
os vasos cheios e
os retratos me crivando o olhar
o café permanece amargo
o barulho dos carros
harmonizados a uma serra circular

a porra dos versos
me enviesando sinais
a mucosa espessa malogrando
as conexões neurais
essa malha elétrica
onde moram paixões
terrores terrenos
delírios astrais
semprenunca presente
parto passado
furtos futuros
escritos nos ombros
punhal riscando o muro
em caudalosas cicatrizes
xilogravuras cardíacas
das indeléveis varizes
páginas repletas de seres
enegrecidos
entristecidos
entretecidos no cortinário do tempo
libertos, vivos quando as pálpebras descem
encriptados de volta quando o sol sai

as rimas ainda casam
mesmo que eu me esquive
e só percebo o que destoa
no reflexo distorcido
da colher
de chá



.
defenestrado
pela pupila de deus
vi o oco do crânio
caí na real
tomado por um
medo selvagem
o capricho
primal

cuspido
pela banguela do diabo
sonhei com a morte
em formol
seu véu voando
num brilho tranquilo
radiativo
raio de sol

segunda-feira, 19 de abril de 2010

O bigode se foi.

Paula jogou sujo quando passou a me chamar por Lionel Richie.

domingo, 18 de abril de 2010

Chegando de uma Se Rasgum Clássica felizito, ouvindo um disco que eu achava que tinha perdido há uma cara.





O garoto mal desenhado é de aurora e crepúsculo.

Pequeñas (Vanessa, Isolda, Maitê e Cia Bartira ILtda), comprem o disco que cês já tão atrasadas.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Miração

Enquanto não se plantam mais prédios
No entorno do meu
Tomo tardes na sacada do décimo quarto
Desmantelo o vazio do castelo
Abraçado pelos fluxos desse mundo
O vento amornado pelo vidro em excesso
Cada dia mais opaco
Feito os olhos dos viventes
Feito os meus
Cada dia mais cansado de olhar a distância

Alcanço pouco da cidade
Mas do pouco leio algo
As linhas de uma quadra vazia
Curvas mal feitas nas esquinas
Uma piscina lodosa que não brilha no charco
Do meu semblante

Debruçado na sacada tudo é quase entediante

Salvo a copa majestosa de uma árvore do Goeldi
Cúpula centenária de garças em pouso
Bojo verde chapiscado de uma expiação angelical

Coisa linda os pontos brancos
Desabrochando carmim
Na cadência dos meus tiros.


22.01.2008

Bom dia, velho Moura.

Outra manhã

Por detrás do verde monte
(não-verde-oliva
não-verde-musgo
verde-não-verde
não-verde-mar)

por detrás do verde monte
(não-verde-mata
 ver de perto: entulho)
por detrás do verde-azinhavrado monte
de sucata, surge sujo

                       grafitado
-- cicatrizes, placas, logomarcas
confusa cabala, restos de cartazes,
frases, chagas --crivado de balas

 o
sol

        e ao fundo
o canto imaginário do galo
garganta
             jorrando
do pescoço decepado
(gargalo)
ao esgoto escuro
o sangue
reencarnado:
                    outra manhã no mundo

                              (Antônio Moura)
Arranquei todas as redes que circundavam o apartamento
O excesso de zelo do antigo inquilinato era um chute no saco
Esse fascínio fascista

Todas as crianças têm o direito natural
De voar pela janela

22.01.2008

Mais "defeitos"!

Aproveitando o embalo de assumir meus "defeitos" (ponho aspas mesmo!) estéticos, confesso: confirmando minha maldição de não durar mais de três meses fazendo algum tipo de atividade física, já estou com uma semana de abstinência da academia. E, sim, a equação de três décadas + boemia + sedentarismo brabo dão contornos extravagantes ao corpo do cidadão.
Assim sendo, aqui vai aos demais senhores que se encontram nessas mesmas CNTPs e em minha própria homenagem video e letra de uma das melhores bandas deste país nos anos 00: THE FEITOS*.




Gente Feiosa - The Feitos

Gente como eu não deveria ir a praia
É um insulto para quem todo dia malha
E que está a fim de se exibir
Gente como eu não deveria ir

Gente como eu só serve pra comparação
O carinha que se acha vem com essa intenção
Se vira pra garota, dizendo a sorrir
Eu sou muito mais bonito que esse cara ali

Gente Feiosa
Enforcai-nos

Gente como eu escória de uma sociedade
É o cuspe encatarrado que é dado com vontade
É o que todos querem expelir
Gente como eu é o que eu não quero aqui

Gente Feiosa
Decaptai-nos

Gente como eu não deveria existir
Ficar dentro de casa, nunca sair
Gente como eu é o que eu não quero aqui

Gente Feiosa
Enterrai-nos

http://www.thefeitos.com/
http://www.myspace.com/thefeitos

* Talvez tenha um vídeo melhor que esse na web, mas este é emblemático pois foi feito por algum bom maluco no show que a Se Rasgum fez com os caras há uns três anos atrás. ainda na extinta boate do Armazém Sto. Antônio. Ramón Ribeiro, principal compositor e letrista, é um iluminado.

P.S.: Segunda que vem tento novamente querbrar a maldição (¬ ¬) pela saúde física ("desce daí, mentiroso!") e da minha relação conjugal.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Bigode Be Good!

Já fazem alguns meses que tento impor à sociedade que me cerca uma nova imagem figurando em minha feice. Meus pares ostentam barbas fartas, cavanhaques mesquinhos, costeletas selvagens e tudo bem, tudo certo, tudo belezura. Mas eu - que repito: encontro-me em minha fase Revolver - não posso cultivar um bigode bacana.
Fato é que depois de várias tentativas infrutíferas (ao fazer a barba sempre mostrava a minha senhora - ita! eu disse ita, Paula! - como ficaria o bigodón), resolví raspar de vez todo o pelo da cara que não se encontrava na área do buço e um pouco mais abaixo.
Saí do banheiro macho pra caralho. Minha esposa, com um risinho sarcático de canto de boca, me mandou um "tens certeza?". Tinha. Digo, TENHO! E ela continuou com algo assim "pô, Guga, barba de mendigo: beleza! mas caminhoneiro é meio foda". Caminhoneiro. Caminhoneiro!
Numa pequena pesquisa informal com Renée e Tati saindo hoje de noite pra colar uns posters do Retrofoguetes ouvi, além de mais risinhos, coisa do tipo "amigo, em algumas pessoas fica bem..." Putamerda, eu doido pra lembrar um Geoge Harrison... Então surge a força que este dandi inseguro precisava. Arthurzão no Rock'n'Roll Circus ao me ver manda logo de cara: "tu tá bonito, bicho".
Então mandei pro foda-se.
Confesso que com essa minha cara de árabe (devo ter alguma ascendência do Oriente Médio que desconheço mas está, literalmente, na cara) e características negróides, o George Harrison tá passando longe. Tô uma mistura indigesta de Charles Bronson num filme blaxploitation. Tá mais ou menos assim:




+


=

Essa última foto é a previsão de minha amada esposa Paulete de como ficarei daquí há uns poucos meses.
Pois bem, se é pra ser assim, assim será!
Jards Macalé estava à frente de seu tempo, Tião Macalé continua à frente de nosso tempo, porque não posso eu macalear o meu quinhão de trend maker incompreendido? A BIGODEIRA FICA!
Com ansiedade moderada por maciços de marlboro, espero pelo primeiro romance de Caco Ishak*.


Enquanto seu lupus não vem, rola prévia no Fúrum Virtual de Literatura e Teatro.

*Não tentem achar trocadilhos em qualquer esquina por aqui.

Refrão prum sambão do Zeca Baleiro com Jorge Aragão.

"Esse teu humor, minha filha
eu já não agüento, não
Vou te extirpar
na base do ungüento de basilicão"

P.S.: Não, eu não bebi. Ainda.
Cabala - 1999/2000

Dorme, no coração do ano
morto o número nove

3,3,3 --- trindade, três cruzes
aspirando ao uno --- um cristo

entre dois ladrões cegando
ao sol --- O --- grande zero


sobre o calendário rio
que corre sujo e
.                          vazio

                           (Antônio Moura)


33

Um número
divide o infinito
Um lugar
entre a fábula terrível
e o simplesmente bonito

Número-pergunta
que tombou o anjo-fera
que recortina o véu
e mantém na Umbra
a maravilha brutal
do fogo-factuo
da Quimera

Corda cobreada
Caminhada
armada ao longo do vazio
Entre
onde os Seis são calor
e Uns são o frio

                                     

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Te fode. Deixa de covardia. Retoma o experimento.

De: GBandini gbandini@gmail.com 
Data: 8 de abril de 2010 12:33
Assunto: Te fode. Deixa de covardia. Retoma o experimento.
Para: Leary Houdini leary.houdini@gmail.com


"Se um arbusto pode dizer 'eu sou a verdade', um homem também pode"
(ditado Sufi)

Fiquei puto mesmo. Tinha coisas pra dividir contigo que não caberiam nesse e-mail. Mas, ok, deixa pra lá.
Acho que levaste muito a sério esse delírio. Não sei mesmo que merdas tu vinhas fazendo nesses últimos tempos, mas largar - mesmo que por hora (espero que seja por hora mesmo) - uma pesquisa que norteava a tua vida, como tu mesmo já disseste, me parece coisa de frouxo. Não esperava nenhuma das tuas atitudes comentadas acima. Ou então assume que é porra-louquice de uma vez por todas.
Não tenho dica de sons, nem de literatura, nem casinhos e papinhos furado dessa vez. 
Espero que aches algo novo na tua estada no México ou que te fodas e volte pra Academia.

Sem mais.
Toma tento.

Bandini.

Se Rasgum Apresenta: RETROFOGUETES (BA)


Se Rasgum apresenta Retrofoguetes. Dia 23/04 no Studio Pub

Dia 23 de abril, no Studio Pub, a “Se Rasgum Apresenta” traz a banda baiana Retrofoguetes, com show de abertura do Johny Rockstar e discotecagem dos DJs Se Rasgum



A Se Rasgum tarda mas não falha. E quando anuncia já é cheia de novidades. Dia 23 de abril, a surf music misturada com guitarra baiana, bolero e rock ‘n’ roll do power trio instrumental baiano dos Retrofoguetes, se apresenta pela primeira vez em Belém. Morotó Slim (guitarra), Rex (bateria) e CH (baixo) pintam em Belém para uma apresentação explosiva no que promete ser um show histórico, dentro do projeto “Se Rasgum Apresenta”. E o show de abertura fica com o rockão do Johny Rockstar, que promete o tempero complementar para uma noite inesquecível.

O Retrofoguetes é um trio baiano que faz fama por onde passa com seu som desde sua formação, em 2002. A banda já se apresentou nos principais festivais brasileiros de todas as regiões, com seu som que vai bem além da surf music, e se funde ao rockabilly (se originou da dissolução dos Dead Billies), polca e música circense e elementos de mambo, tango e música italiana. Consegue imaginar diversão maior para a noite do dia 23 de abril?

E quem vem antes vem com tudo. O Johny Rockstar é o grande responsável pelo show de abertura dos convidados baianos, e chegam com a missão de levantar o público com os sucessos joviais Vingança dos Chatos, Alcalina, Oswaldo e Johny Rockstar. Os irmãos Eliezer e Natanael Andrade junto com Elder Fernandes se apresentarão com novo baterista, Junhão (ex-Garagem 32).



NOVO LOCAL - A festa será em casa nova. A boate Studio Pub (antiga Digital Produções, na travessa Presidente Pernambuco, 277) é um novo espaço para shows e festas em Belém, que traz excelente estrutura de palco e som, com ambiente climatizado e um pubzinho classe A. E quem comanda o som nas pick ups são os DJs da Se Rasgum Damaso, Marcel e Gustavo.

INGRESSOS - O primeiro lote dos ingressos estará à venda a partir de segunda-feira, 5 de abril, a 20 reais, na loja Ná Figueredo da Gentil Bittencourt. Os outros lotes estarão a 25 e 30 reais. O Studio Pub tem capacidade limitada, por isso corra!


http://www.myspace.com/retrofoguetes
http://www.myspace.com/johnyrockstar

SERVIÇO
Se Rasgum Apresenta: Retrofoguetes (BA)
Abertura: Johny Rockstar
Dia: 23 de abril, a partir das 22h
Local: Studio Pub (Presidente Pernambuco, 277)
Ingressos: 20 reais (primeiro lote), na Ná Figueredo (Gentil Biottencourt, 449)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Guamá - Conselheiro

Folhas chovem
Das mangueiras
Pelas vias onde ando
Veias verdes de buracos
Heroínas suportando
Torturadas por agulhas
Ponta aguda
Vil metal
Suga a alma da cidade
Desse estado
Terminal

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Nããão, não foi no domingo que ele descansou.

Quinze pras quatro da tarde e o Eddie abre a cortina do quarto. O sol raspa a minha barba rala enquanto o desgraçado gentilmente me grita "acorda pra cuspir". Tentando descolar a pestana, viro pro outro lado do colchonete de dez centímetros de grossura pra ouvir outra gentileza "quer que eu chame a tua mãe pelo nome, ou não?". Grande amigo, já conhecia a sutileza de Eddie Torres desde o dia em que nos conhecemos numa loja de informática onde eu trabalhava vendendo peças de pc's e demais utensílios nerds. Já tava sacando aquela figura de cabelo partido rondando a loja, disfarçando interesse em coisas aparentemente aleatórias. Estava atrás dele quando o patife tentou enfiar por dentro da camisa flanelada um celular bacanaite. Suavemente cantarolei.


- Shoplifters of the world unite and take over.

Quando ele se virou e repondeu na mesma tranquilidade.

- One baby to another says I'm lucky i've met you, it is now my duty to completly drain you.
Fingndo que não havia nada de errado, protegí a saída do cara da supervisão acurada de um gerente escrotíssimo e metódico como um 486. Apesar disso, passamos a jogar uma pelada os três - eddie, o gerente e eu - com o time da loja. Eddie sempre facilitava quando o Diogo vinha lhe roubar a bola.

Grande amigo, gutarrista fuderoso pirado em William Gibson. Levantei e seguí pra cozinha onde ele enfiava um resto de lasanha no microondas. Sentado à mesa, passei um litro e meio de água pela garganta pra deixar a saliva um pouco menos pegajosa da ressaca e comentei.

- Ela que te ligou ainda agora?.

Ele riu.

- Com essa eu caso! Já tamo esse tempo todo juntos e ela nem fresca de eu ter enchido a lata ontem contigo, acordar às quatro com essa voz pra dizer "te amo" e seguir prum festival de porradaria.

Me entregou o prato e foi ligar o som. Black Sabbath.

- Porra, Eddie, tô melhor que tu. Tô comendo uma moleca foda!

- Pára com esses trocadilhos de merda, Bandini.

- Que porra de trocadilho... te fode, caralho.

- Olha: agora quase rimou!

- ...

- Tá, gay, fala.

- Bicho, tu saca: a menina é gata, gente boa, uma senhora foda, mas não vai nada além disso. E pra ela tá beleza!

- E tu tá de reclamação?! Ah vá tomar. Que tipo de ressaca é essa? Engole logo essa lasanha que os shows já começaram há uma meia hora.

- Sério! Tô te dizendo. Não é reclamação.

- Vazio pra caralho. Vou me vestir.

Apressei as garfadas enquanto o chiado efervescente no copo se misturava ao Sonic Youth.

A Scorpions, local onde iria rolar o Fabrikaos, ficava na 16 de Novembro bem próximo da casa do Eddie. Fomos andando pela Cidade Velha em direção ao festival meio que calados. A cabeça latejando no silêncio família do antigo bairro num domingo.

Na frente da casa de shows, encontramos Jayme Katarro que, abrindo os braços, resmungou.

- Esse caras do som são foda. Não deu pra começar só por causa dos pa's. Mas entrem logo que já tem uma moçada dentro.

Entramos. No fim de um corredor estreito, abriu-se o barracão. Palco armado, umas sessenta pessoas e a seqüência monótona de passagem do bumbo. Compramos umas quatro geladas cada, garantido pela promoção clássica de 4x10. A legião de camisas pretas começava a encher o lugar e, pelo final da terceira cerveja, a primeira banda começou: um hardcorezinho nervoso que não nos distraiu do papo que já engrenava entre Eddie, Jayme e eu sobre as gravações de um tributo a sua banda. Com mais de vinte anos na estrada, o Delinquentes é a banda mais respeitada da cidade entre bangers e punks, incluindo aí até indiezinhos menos ortodoxos. Pedimos mais quatro. Pela metade da segunda, a banda seguinte sobe ao palco. Olho por cima do ombro e vejo o vocalista falar algum gracejo pra platéia mas não consigo entender nada. Os riffs da primeira música pesados mas bem tocados me faz ter a impressão que mudaram todo o equipamento de som. Me viro, surpreso.

- Que é isso, Jayme?

- Telaviv, bicho.

- Bom!

- Banda meio nova. Ouve só.
Grindcore, trash, black metal, bem dosados, bem executados. Não conheço tão bem as bandas de metal da minha cidade e essa me entusiasmou. Voz tão demoníaca quanto o resto dos caras. No meio da roda num vórtice de maldade e violência, dois caras chocam suas cabeças. Se olham por uma fração de segundos, se abraçam e pedem desculpas mutuamente. Acho graça e Eddie diz "Isso aqui tá mais na paz que alguns locais "sofisticados" que eu frequento".

- Essa foi "Let the Game Begin" pra vocêêêêsssss...

As luzes se apagaram e por um segundo pensei que fazia parte da performance. Katarro engoliu um resto de cerveja.

- Puta merda, fudeu o som.

O espaço quase mambembe da Scorpions não segurou a energia que a Telaviv puxava. A caixa de força fritou e o que me alentava era o fato das cervejas cotinuarem geladas.

Já beirava as oito da noite quando, vendo que o problema de energia não iria ter solução (soubemos depois que rapidamente restabeleceu-se o som com o apoio de um gato profissional no poste de fora), Eddie sugeriu que caíssemos fora.

Ouvimos retumbando pelas vielas da Cidade Velha um som de carnaval. Seguimos a percursão até a praça do Carmo. Um pequeno carro-som fazia um estardalhaço, plugava a voz do Eloy Iglesias que gritava marchinhas pra uma praça lotada. O lugar abrigava umas mil pessoas entre gays, gatas, playbas e pedintes. "Não se perca de mim, não se esqueça de mim, não desapareça" gritava uma turma de meninas com uniforme de escola de governo. Entramos no meio do povo pra chegar no Salomão e pedir algo forte. Descemos duas caipirinhas e, saindo do botequim, outras duas de saias pregueadas se aproximaram - uniforme escolar quase transparente. Eloy atacou a marcha do Vestibular. Indo na direção das lolitas, Eddie gritou "a parada é skinhead, G" e emendou a marcha bem alto "Esse ano no vestibular eu vou raspar cabeça de mulher" enquanto eu comentava alto "viva o brazilian wax, porra". Elas provavelmente não sacaram nada e saíram por alguma tangente. Acendí um cigarro e nos metemos no bloco de novo, suando com os indicadores pra cima. Perto do cara que segurava o surdo encontramos uma figura improváve que nos achou mais improváveis ainda.

- Caralho, Garapa, aqui?!

O olhar vermelho cambalendo tanto quanto as pernas, não conseguia nos ver pra crer. Norberto Garapa, maior produtor de shows de reggae do estado - "eu só compito e 'comfumo' com o Maranhão no quesito Jah" - dançava agarrado a duas morenas. Afodite e sua nêmesis. O grau etílico do trio era explicado pelo isopor cheio de gelo e já com poucas latinhas e garrafas de ice. Norberto só balbuciava "tô é doido, tô doido..." e a gente ria com as duas. Nos entregou duas latinhas e ofereceu as meninas. A gente dançava tão sem jeito quanto o Garapa sem as mesmas justificativas que ele e um grupo de bichas tiravam sarro da nossa cara. Quando deixamos o isopor só no gelo, o regueiro resolveu que ia tirar acampamento dizendo que astar indo pra uma radiola matar a noite.

- Vamo pro Fumaça.

- Que Fumaça, Garapa?

- Bora, caraio! É uma radiola no Tucunduba...

Arrotou.

- Tucunduba?! Tá doido, Norberto? A gente vai ser estuprado lá, irmão.

- Que estrupado, caraio. Cês tão comigo, caraio.

- ...

- Bora, caraio, vamo. Entra os dois no carro.

- Elas vão?

- Essas porra moram lá, caraio.

- É?

- Caraio!!!

Compramos mais umas latas e entramos no peugeot com os três. Engatou a primeira e o carro deu ré.

A nêmesis abriu o porta-luva e tirou a muca. Antes de fechar, Garapa mandou "pega esse disco aí, caraio". Ela pegou e começou a confecção em cima da capa.

- Dá o cd. Bandini, tu vai gostar desse.

Me passou um disco do Firebug e eu estranhei sabendo que o cara só ouve roots.
Afrodite recebeu ordens para acender. O cheiro inundou o peugeot com uma nuvem delícia. Puxei e passei. Camarada Torres declinou alegando que não fumava mais há uns dois meses. A parada girou junto com o disco que deu o tom até a entrada da baixada. O Tucunduba é um bairro fudido, um dos mais perigosos da cidade, dominado pelo tráfico como qualquer favela que se preze. Mas alí o Garapa era rei. Produtor dos melhores show do circuito São Luis - Kingston - Belém, o cara era mais que benquisto dentro da máfia maranhense que impera no bairro. Entra e sai da quebrada a hora que quiser. Mesmo beirando as onze da noite, tricotava o breu total das ruelas da favela sem o menor receio de nada. Depois de várias curvas e passagens de crateras piçarrentas enlameadas chegamos bem perto do tal Fumaça. Quase fico sóbrio quando ví o rodopio de luzes azuis e vermelhas iluminando em turnos contínuos as madeiras dos barracos.

- Porra, tamo ferrado, Eddie.

- Puta merda, Bandini, eu tô ajeitando a minha vida... não pode ser... não pode!

- Ora, caraio, fica frio rapeize. Deixa eu ver que merda é essa.

Estacionou e desceu com as duas. O carro silenciou com a gente: petrificados numa síndrome de pânico instantânea embalada pelo Firebug. Eu tentava falar alguma coisa pra tranquilizar o Torres que depois me disse que tentava a mesma coisa comigo mas não saia som de nenhum dos dois. Já esperava o oficial mandar baixar a janela e ver meus olhos vistosamente baixos e a cara braquíssima e embriagada do maluco ao meu lado. No segundo seguinte ia baixar o porta-luvas e retirar um tablete de duzentas e cinquenta gramas negras. Xeque-mate. Xadrez pros cinco. Então o Garapa vem em direção do carro num papo furado com a autoridade em plantão. Abre a porta e olha pro banco de trás. Pra gente.

- Porra, o Fumaça tá fechado. A Radiola que tava tocando era roubada. hihihi que foda, caraio!

Não conseguí nem sorrir no momento seguinte. O Eddie dava uns risos que eu não sabia se era de nervoso ou alívio.

- O major aqui disse que é melhor a gente sair fora. Vamo nessa?

Mostrou a beata entre o amarelo dos dedos. Só aí me acabei numa gargalhada. Entrou no carro e saímos da suposta armadilha. Seguimos pelo Jurunas até o início da Padre Eutíquio em estado de graça. O Garapa disse que ia pra casa e então o Eddie pediu pra nos largar no Bar do Gilson pra beber uma com os sãos. Tudo bem. Nos deixou na porta do bar lotado. Logo já havíamos passado pelo minúsculo corredor que dava pro quintal da residência do Gilson.

O lugar é a mais tradicional casa de choro e fica abarrotado aos domingos quando além dos chorinhos rola um samba interessante. Copos americanos nas mãos, sentamos na única mesa disponível que pegamos de um casal que não saía da pista, dançando. Levamos no chorinho até o bar ficar quase vazio, lá pelas duas. A maior parte da banda já tinha tirado o time e no palco havia apenas um violão de sete cordas, o bandolim do Gilson e alguém que subira pra cantar. Com a cabeça inundada de álcool engatamos o papo.

- Já te falei que ela é pra casar, G?

- Te fuder...

- Te dizendo! Olha a mensagem...

O telefone na mão dele com aplicativos suficientes pra controlar um foguete tinha escrito "Baby, tá td bem? Me avisa qnd for p casa. Fico preocupada ñ consigo dormir. T adoro."

- Hehehehe. Pra te dar a real, bem que eu queria que a minha fodinha me ligasse agora.

- Porra, Bandini, eu não tô falando só de putaria! Eu tô falando de tu ter uma mulher que te acompanhe num bar desses e num fim de noite dum domingo desses fique curtindo uma música linda dessas cantadas pelo mestre Olivar.

Me apontou o cara que tinha tomado o microfone. Ouví o cara e a voz tinha realmente algo que emocionava. Mas devolví.

- Rapá, eu prefiro mesmo é uma raba maravilhosa que não me dê o trabalho escroto de um dia ter que catar os meus cacos.

- Quê! Vai tomar no cú, Bandini!

- Tomar no cu o caralho, porra. Então ouve o que esse tal desse teu mestre tá cantando, seu viado.

Olivar apunhalava.

- Ah! Se já perdemos a noção da hora / Se juntos já jogamos tudo fora / Me conta agora como hei de partir...

- Porra, vamo pagar essa merda logo. Vai te tratar, filhadaputa.

Conta fechada. Saímos de pernas trocadas pela Padre Eutíquio atrá dum táxi às duas e meia. Eddie num amor incurável me enchia a porra do saco com esses papos melados de algum tipo de salvação. Com o gadget mágico na mão, ele foca nós dois.

- Tecnocrata de cu é rola, Bandini. Olha o que eu faço com essa porrinha aqui. Vou mandar uma vídeo pra ela mostrando que tá tudo bem. Pára de ser esse puto de merda...

Ria alto com o telefone mirando a própria testa quando alguém arrancou o aparelho e correu. Eu, vestido de herói etílico, corrí atrás do cara enquanto o babaca ficou prostrado olhando a mão vazia. Alcancei a camiseta do cara e nós dois caímos no asfalto. Conseguí acertar dois socos de leve nas costelas e recebí um firme na cara. Já estava com o braço atado ao pescoço do filho da puta quando senti a primeira paulada um pouco acima da têmpora. Virei de lado largando o pescoço do canalha e vi o celular brilhando solto no asfalto cinza. Mais uma e comecei a ouvir em slow motion um hit do Dead Lover's Twisted Hearts: "I never said I wanna be your partner / Oh! Let the devil take care".


Epílogo.

- Solta ele, porra, que eu conheço o cara. Solta agora, porra.

Um pano laranja pairou sobre a minha cabeça encharcando imediatamente o tecido. Me vi aparado num abraço quase maternal de um negro gordo enquanto uns quatro malditos caminhavam displicentes para longe.

- Porra, que merda tu fizeste? Puta que pariu, que merda!

Meu braço esquerdo parecia uma mangueira de água podendo ser dobrada em qualquer parte da sua extensão. Meu flanco direito estava moído. Não sei exatamente como Odair e Eddie me levaram para o PSM, lembro apenas de um carro, eu acho. No dia seguinte, após a cirurgia que me enfiou três pinos no antebraço, Eddie me lembrou quem tinha me salvado a vida.

- Tu não te lembras do Odair? A gente bateu bola com ele umas duas vezes naquela quadra de pelada perto do Gilson. Lembra do primeiro jogo que a gente marcou lá com a moçada da loja? Aquele que quase ninguém foi e que chamamos o pessoal da rua que ficava ali pela quadra pra formar o outro time. Ele tava aqui até ainda agora. Tu tava dormindo e ele ficou te sacaneando, dizendo "esse bicho era o único que não dava carrinho, não entrava na maldade e ainda tomava uma gelada com a gente depois". Disse que quer marcar um jogo com a gente, mas só se tu for pro gol.

A dor era insuportável.

- Não saber jogar bola pelo menos me valeu da alguma coisa... Ai, puta merda de dor escrota. Chama a enfermeira, bicho. Pede pra ela me dar alguma coisa. Logo!

Voltou com a enfermeira que parecia ter virado duas noites seguidas e um médico que aparentava uns dezessete anos. Ele perguntou.

- Tá doendo quanto?

- Quer em número, doutor?

A enfermeira arregalou um pouco os olhos de raiva o que piorou as olheiras.

- Responde pro doutor Fábio! Quanto dói?

- Pra caralho.

Ele se virou pra enfermeira e balbuciou alguma coisa com sufixo "ina".Eddie, do meu lado ria e fotografava tudo. A mulher preparando a seringa com uma solução. Minha cara de agonia tentando não rir quando ele sussurrava "mor-fi-na". Ela preparou uma veia, pentrou a agulha e no rítmo suave do êmbolo minha visão periférica começou a ser tomada por uma luminosidade branca.

- Oohhh... deus!

Eddie se vira para a gorda.

- Por favor, bota o resto numa quentinha. Nós vamos querer pra viagem.

Ela saca a seringa do meu braço sem tirar os olho seríssimos do Eddie. Ajeita a gola do avental meio amarelado e caminha de volta pelo corredor.

Padre Karras apertando unzito.

Vamo começar a semana exorcisando o demo com um dos melhores mantras from jahmeica. Max Romeo & The Upsetters:

"I'm gonna put on a iron shirt, and chase the devil out of earth

I'm gonna send him to outa space, to find another race"
 

domingo, 11 de abril de 2010

Close-up.

Ela tentava me convencer com um olhar compenetrado, se esforçando para transparecer sinceridade, de que o problema não era comigo. Um mês atrás eu tentava convencê-la com um sorriso estranhamente perfeito a ir comigo pra casa.  Vivemos, em trinta dias, um comercial de creme dental.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

O que vai, volta.

Divulgando as atualizações desse meu blog em um e-mail para amigos, recebí carinhosos amplexos virtuais. A parada acabou servindo para reaproximar irmãos e ermãos com quem não mantenho contatos diários mas estão sempre "na cabeça e no coração" do polvo.

Para esses benditos malditos mando essa do BRMC.

 

terça-feira, 6 de abril de 2010

Experimento Azul (e um primoroso achado musical)

De: Leary Houdini leary.houdini@gmail.com
. Data: 6 de abril de 2010 08:37
. Assunto: Experimento Azul (e um primoroso achado musical)
. Para: gbandini@gmail.com


Dear Bandini.

Ja conto alguns varios meses sem contato com voce, bom amigo. Penso que deve estar curioso dos motivos de meu desaparecimento desde minha ultima missiva onde te contava de meu breve retorno a minha natal "Rotterdamn".

Bem, estive alguns lugares nessa lacuna de meses. Perderia um tempo precioso nesta lan house em que me encontro aqui en Sonora, Mexico. Pois tento ir ao assunto logo e repleto de justificçoes. Sim, estive muito proximo de sua cidade ha pouco e, nao, nao liguei para voce uma vez que tenho poco tempo para passar ai. Entretanto tive tempo bom para uma interessante aventura que relato a ti nesse momento.

Estava com minhas bagagens prontas para partir para Mexico quando o acaso me mostrou esta foto:


Este mushroom me pareceu fantastico, entao fui atras de meus contatos e cheguei a Luiz Carlos Dogson, alguém que conhecia o fungo, sabia onde encontrar, entendia minhas intensoes e garantia uma experiencia de nao esquecer. Cheguei em Belem e fui recebido por Dogson que levoume no mesmo dia para o local onde poderiamos encontrar meu fungo azul. O lugar fica em uma regiao nao muito longe de sua capital. Esta em beira de uma estrada que me parece nova, com pontes enormes, nao lembro nome. Entramos no terreno quatro horas de tarde e todo cercado de arvores e mato so consegui ver uma casa pequena, um barraco de madeira nova sem tinta para onde fomos. Larguei a mochila na unica mesa que havia no unico comodo da casa, ao lado de um pc bem antigo. Minha barriga fazia barulhos com o ceu que nos ameaçava com chuva. Luiz Carlos disse que tinhamos que aproveitar a luz para encontrar o cogumelo e entao invadimos a mata. Bem facil a caminhada dentro da floresta nao muito fechada. A variedade de formas e tamanhos e cores e vida em un lugar tao proximo de uma estrada de grandes e pequenos veiculos com seus barulhos e gases que nao pareciam afetar a harmonia do local me desorientou por um segundos. Luiz seguia com facao abrindo o caminho com gentileza e antes que eu pudesse acostumarme com a tranquilidade do lugar, o maldito gritou: achei!. Achei o danado mais cedo que eu pensava. Estava perto das raizes de uma arvore especialmente grande, entre o amarelobegemarrom da folhagem do eterno chao de outono que alimenta a floresta da Amazonia. O contraste era fenomenal e dizia claramente que aquele pequeno ser de camurça azul concentrava segredos, guardava chaves naturais, conectava pontos entre a vida, a magica e a morte. Dogson me disse para colher a coisa uma vez que seria eu quem o consumiria. Minha barriga acompanhou outro trovão e lembrei que precisava comer algo alem do serviço de bordo. Luiz Carlos foi firme ao dizer que eu deveria comer algo leve e me levou para um sitio vizinho.

Andamos por menos de seiscentos metros e estavamos em frente de uma pequena barraca ocupada por uma jovem preta quase india ou o inverso. Minha fome mudou. Na barraca podia ver cuias num recipiente com agua, duas panelas e um pequeno fogo dançando para uma frigideira, mas meus olhos nao registram nada. Eu via o labio enorme, o colo, voltava para as maças escuras do rosto e entao pra olhos mais negros de abismos. Luiz me acorda pedindo para a preta duas tapioca. Ela olha direto para mim perguntando numa voz quase masculina se aceito coco ou manteiga e Luiz responde: nao precisamos de mais nada. Benéééééé! Uma voz grita do fundo do terreno chamando a preta. Pagamos os pequenos sandwiches e tomamos o caminho da volta.

Comendo bem devagar, na velocidade dos nossos passos em direçao a casa, me pego pensando na minha idade, Bandini. Quanto tempo ainda tenho para minhas pesquisas? E quando chegar o fim, eu terei a resposta instantanea? Ou vou ter que recomeçar do ponto zero, companhero? O certo e que a preta me voltou a cabeça e tentei expulsala quando entrei no barraco do Dogson. Ele me ajudou falando sobre os "perigos" da "viagem", que ninguem morria daquilo mas que o transe (palavra dele) era forte. Falou isso enquanto ia preparando a infusao. Me agradou ver a preocupaçao dele comigo. Esse tipo de cuidado (por mais desnecessario que seja para alguem como eu que estuda o assunto) cria um clima aconchegante e pouco familiar se comparado a maioria das minhas experiencias. Lembrei de voce. E nesse mesmo instante Luiz Carlos me contou algo que so me fez reforçar o pensamento em ti. Tirou de uma bolsa de nylon um disco que disse ser perfeito para a ocasiao.

Colocou no pc e comecei a escutar o canto intrincado de um passaro que ele me disse ser uirapuru, logo entra os sons de um guitar acompanhando, ou melhor, imitando a melodia do bicho. A musica logo cresce com outros instrumentos, synth, percursaos e percebo que e algo como progressive rock . Ai vejo que nao e rock. A musica continua e outros ruidos aparecem: o sonido de um jaguar, algo tribal e então o synth parece improvisar. Muito belo e interessante e diferent. Ele me deu o disco nas mao e pude ler Timbres da Natureza Amazonica de alguem chamado Albery Albuquerque Junior. A musica seguia muito bonita, muito experimental. Sabes que muito me interesso por musica e por um instante esquecí para que estava ali. Comecei ler o que havia no disco enquanto Luiz me explicava mais sobre o que ouvia. E era muito mais que simples música. O disco e um documento de uma pesquisa desenvolvida por Albery onde ele estuda os timbres de alguns animais, seus cantos de ataque, de sedução, avisando sobre perigo. Ele estudou animais muitos como tucanos, macacos guaribas, papa formigas e conseguiu criar "escolas musicais" destes e outros bichos. Estou completamente impressionado e entusiasmado com isso. Então, Dogson me falou que este era apenas o primeiro estudo feito por Albery. Ele hoje tem mais dois projetos de pesquisa, Um trata da relaçao de musica com geometria (deve ser algo derivado da teoria matematica de musica), Luiz Carlos diz que ele consegue decifrar (nao sei se a palavra se aplica) a musica tendo apenas as medidas de arquitectura da façada de uma casa ou de um quadro cubista, por exemplo. E consegue o inverso tambem: criar a imagem grafica extraida da partitura de qualquer musica! Me parece algo como uma revoluçao na historia da musica. Fiquei pensando que Dogson estava me pregando uma peça. Mas tive certeza quando ele me disse que o tercero projeto desse musico-cientista ou o que seja chamase Musica Quantica. Musica Quantica, Bandini! Soltei uma risada alta na hora, mas Luiz me garante que Albery tem um livro onde explica toda sua teoria. Conheces esta pessoa, Bandini? Tens como me fazer entrar contacto com ele? Se algo nesta história tiver uma pequena chance de ser verdade isso pode me ajudar profundamente em minha propria busca.

A noite envolveu o barraco enquanto a infusao aprontava. Tomei um banho e voltei pensar na preta. O desejo nunca envelhece, so se aprimora. Porque a carne não acompanha o maldito espirito? Porque o espirito não desafia a bendita carne? A noite esta morna mesmo fora do barraco. Dogson tem um copo de uma cor indefinida na mao quando eu entro. Um azul palido e um poco leitoso. Ele me entrega. Eu tomo.

Começamos uma conversa sobre banalidades. Ele me fala do que pensa em fazer com seu sitio e seu sonho de transformar aquilo num pequeno paraiso de borboletas. Uma poca excitaçao me ocorre seguida de uma sensaçao de moleza no corpo como um sono. A viagem para ali tinha sido mesmo cansativa. Me sento para descansar numa especie de poltrona suspensa numa viga do barraco. Um pequeno ninho perfeito. Me sinto aconchegado e bem. Afundo aos poucos no ninho e minha musculatura fica mais flacida que o normal. Ja conheço a sensaçao. Luiz coloca outro disco no computador, agora parece um mantra e nem mais me interesso em saber o que toca. A pouca luz da noite se intensifica, mas levemente. Fecho os olhos e tudo começa.

Lembro pouco do que aconteceu desde ai, Bandini. Sei que os sons se ampliaram e o mantra se fundiu com o som de floresta ao redor. De repente consegui entender o que os sapos coachavam de mim. Grilos trinavam num compasso distante mas preciso e uma coruja (pelo menos acho que era) velava meu sono acordado. Completamente imerso na polrona, comecei a penetrar a floresta. Andei seguindo os sons dos grilos e de um batuque que provavelmente era a minha propria pulsaçao, até achar uma pequena clareira. Durante um bom tempo so fiquei observando a mata aberta, entao aos poucos foram surgindo uns pretos bem magros com atabaques. No centro da clareira vi uma fogueira verde crepitando, as labaredas intensas não eram linguas de fogo, eram folhas ondulantes que subiam para o ceu. Permaneci o que pareceu horas mirando a folheira, observando a sua movimentaçao sensual. Os tambores ficaram mais fortes e então a preta apareceu atraves do movimento da folheira como se imitasse o cambalear do fogo de esmeralda. Ela sorriu para mim e nao havia nenhum dente em sua boca. Nao parecia estar vestida, tampouco estava nua. Algo naquele mundo protegia a preta de qualquer luxuria. Mas ainda assim sentia algo de desejo ardendo e suando minha pele. Ela me pediu, sem palavras de uma arcada sem dentes, que seguisse com ela e atravessasse a clareira. Segui. A folhagem da mata fechada batia suave contra meus braços, meu rosto e continuei sem medo ate que um pequeno vale surgiu. Nao era exatamente um vale, em verdade o lugar mudava de forma a cada nuance do olhar. Acompanhei com os olhos a grama rente e no topo de um pequeno morro vi a arvore. Nao era grande. Nao tinha folhas. Parecia branca e dos seus poucos galhos pendia uma unica fruta. A preta me olhou, abriu a boca e eu pude ouvir pegue a fruta cor. E então a linda preta evaporouse. Nao sabia bem o que deveria fazer, mas sentia um impulso incontrolavel de arrancar aquela fruta do galho. Notei que a fruta não era exatamente branca, podia enxergar o padrão que eu quizesse nela. Comecei a caminhar na direção do morro. A cada passo sentia uma especie de poder se aproximando. Como se ali eu fosse encontrar minhas respostas. A cada metro tinha mais certeza de que aquele sumo seria um balsamo. Minhas maos apontavam como duas garras em direção ao galho. A fruta cor era o Desejo. Não, era muito mais. Era a propria Verdade. Estava num extase maravilhoso. A seis passos de tudo o que eu tanto procurava. Foi quando o negrume se fez. A tronco e os galhos tornaram ebano e a fruta enegreceu tanto que parecia azul. O azul da noite infinita. O azul do universo que engolfa estrelas. Um azul mais negro que a morte, Bandini.

Abri meus olhos de medo.

Tudo continuava calmo no barraco e Dogson dormia um sono profundo. O disco tinha terminado horas atras, provavelmente, e o dia tentava longe se levantar. Acordei o anfitriao e saimos para tomar um cafe. Nao contei nada a ele, Bandini, menti. Nao contei nada a ninguem ainda, o primeiro es tu. E bem verdade, nao tinha contado essa historia direito nem mesmo para mim. Estou contando agora no mesmo momento em que conto a ti.

Me sinto mais perdido do que antes, agora. Nao sei bem se meus projetos devem continuar. Precisava muito encontrar contigo mas nao sei bem se adiantaria alguma coisa. Hoje apenas nao sei.

De qualquer forma, estou bem longe aqui no Mexico mas devo sair logo. Te peço desculpas de novo por minha ausencia estando tao proximo de ti. E prometo entrar mais em contato para conversarmos amenidades, manter nossos estupidos jogos de trocadinhos, falar e ouvir musica.

See you soon, son.
Leary Houdini


P.S. : Nao te peço desculpas por meu portugues, uma vez que nao falas minha lingua, seu filha da puta. Desisti de ficar acentuando as palavras dessa tua lingua ingrata. Ja fazia isso antes, tu bem sabes, mas agora e oficial. Ok, eu sei que meu deutch tambem tem acentos. Por isso eu digo: Levantemonos contra os acentos!

P.P.S.: Achei Albery aqui: http://www.myspace.com/alberyalbuquerque conheceo now!

Algodão enterrado nas narinas.

De um meio tambor azul anil encostado numa das ruelas da ilha, tenta emergir - se esgueirando num desespero silencioso - um inseto de madeira flexível e improváveis onze patas. Uma delas já alcançava a borda enquanto as outras dez permaneciam emaranhadas em fios de nylon, sacos vazios, pacotes de um branco leitoso e azedo, sprays repelentes, peles de látex, cacos de logomarcas variados, esqueletos de alumínio e rótulos que devolvem a claridade de um sol em flor como se emitissem uma petulante luz própria.
A estrutura do bicho repousa inerte num desamparo terrível, afundado na cova rasa e celeste. Mesmo morto, o corpo se distingue clara e melancolicamente de toda imundice que o cerca.
Nem o mais bizarro cadáver consegue abraçar o leito infértil da podridão plástica.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Convite antes do inevitável naufrágio ou Bora tomá uma, cabôco, quinda dá tempo!

(a Ricardo Ishak)

recortando-se
do próprio cancro
segue
o ponto
cego

cambaleante e são
convalesce e
carnavalesce
por entre previsões e adágios estúpidos
dos cretinos que se cotizam
na moral dos transeuntes
esse delírio coletivo
de veleidade e quebranto

visito-o de longe
lendo a lida canalha do sacana

o estulto saltimbanco
cai e ri
assalta bancos e bocas
troca danças impudentes
por malentedidos jocosos
trepa em pódios
salta prédios
agarrado às rédeas régias dum sol qualquer

como qualquer poeta qualquer

espeta o indicador gargantas adentro
para redenção dos demônios
e erupção dos pecados

ainda andará ao meu lado
o filhodaputa safado
nossa pequena hoste há - afinal
de se embriagar na réstia boreal
e alimentados de ódio e hóstias
queimaremos as beatas
nas escadarias da fé

o filhodaputa safado
se safará ao meu lado
na jogatina febril
de berço e leito, cova e covil
desses dias que nos sobram
(ante o último soçobro)
pois - ainda - por alguns as sinas dobram

28.02.2008

O Ruído Branco

Olhar de vidro
Vazio
Tentando achar padrões
No ruído branco

          “Seis, sete anos. Madrugada de terça. TV ligada no quarto, sem som. Encaro a pia do banheiro sem pressa. Restos duma taça de sorvete colore o branco louça. O movimento entusiasmado da colônia de formigas é um hipnótico frenesi fabril. Me debruço sobre o granito da bancada que sustenta e devora a pia. Meu olhar atento, paciente, onipotente, sobrevoa o viveiro. Barulho silente. Anima. Retiro a taça. Tapo o ralo. Libero a água. A onda salta – fria – no côncavo da pia. Desespero e terror. O nível sobe e com ele pequeninos corpos pretos, vibrantes como espermatozóides sem cauda. A pele aquosa do nano oceano chega quase junto à margem da bancada. Pauso. A flor d’água acalma. Lá fora começa a chover. Leve. Forte. Fortíssimo. Algo no céu me acompanha. Tomo nas mãos o cabo da escova. Escolho, entre as dezenas de pontos frementes, o primeiro. Cutuco de leve. Ela desce uns três ou quatro centímetros com as minúsculas patas debatendo-se entre a vida e a metafísica e então volta ao topo pra uma última fungada de ar. Um toque mais pungente e ela segue até o fundo. Filosofa mais, formiguinha, tenta emergir pra realidade. Ela vem subindo; galga cada milímetro, estóica, com as patas céleres vibrando, parecem ranger. Até – a meio caminho – darem a derradeira espreguiçada pra vida, descendo suave pro fundo.

         E eu, moleque-deus, só interrompo o genocídio quando o sono bate.”

TV ligada, sem som.
Encaro a pia do banheiro sem pressa, sem preces.