De 7 Meses

Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Canções de Depois é pra já. Duas palavrinhas sobre o Ep da Ana Clara.

Canções de Depois, EP de estréia da Ana Clara, já era um disco esperado por mim. E toda a expectativa é uma faca de dois gumes, muitas vezes se aproxima de algo simplesmente idealizado que dificilmente encontra ressonância no mundo real.

Sabia disso mas não freei a esperança. E a surpresa do disco me veio quase como um alívio. As músicas que eu conhecia dos shows estavam ali, mas com outro impacto, som mais climático, mais cheio, mais alto. Sem perder em momento algum a voz suave, mas firme, da Clara. Os arranjos e a produção jogavam à favor. Então foram quatro músicas que não saíram do som.

Que Nem Passarinho abre o disco num crescendo com pegada e clima soturno (a cozinha de Ulysses Moreira e Manuel Malvar chega logo dizendo pro que veio), sem aliviar vai pegando fogo, contrastando com a doçura da letra e da voz da Ana Clara. O Adeus Veio Depois ficou linda, uma pequena pérola radiofônica, as guitarras ficam mais educadas, mas sempre presentes, ora de cara, ora abafada, ora com efeitos suaves. Era uma faixa que podia dançar pelos excessos, mas os três guitarristas (Marcelo Damaso, João Lemos e Marcel Barreto) não se tornam redundantes em momento algum. Eu Mandei Meu Amor Pro Espaço é um space oddity agreste,  uma balada recheada de sutilezas num clima de abandono chapado. Enfim, Polaroid Sem Cor, uma bela canção mas a que menos me tocou; ela, sim, me parece que pedia um clima menos cheio, mais simples e direto, não chegou a me incomodar, nem me encantar.

A produção de Iuri Freiberger me parece acertadíssima. O disco mantém todo o potencial pop com peso mas sem perder a mão em quase nada. É um disco que tem unidade e personalidade. Redondinho. Ana Clara não merecia nada menos que esse debut classe A pra uma carreira que não promete. Cumpre.

sábado, 22 de junho de 2013

nos dentes

eles olham meio baixo, quase de lado, antes de recitar
com voz angelical – um rosnar feroz - sobre a eternidade do amor

não eu

eu , bem verdade, nunca quis escrever sobre o amor
é mais fácil escrever sobre os pés cortados no caminho
prum bar
sobre a etiqueta dos becos
sobre o que seja
perecível
e
ou
cotidiano
sabonetes beijos gasolina
folhas peixes saldos bancários
polietileno fraldas humor
porra, é tão difícil escrever sobre o amor
talvez o escreva em partes
sem alardes
sem nem ao menos me dar conta
das tuas unhas que escrevem runas, em línguas esquecidas, enterradas,
como um fio de areia soprado em minhas costas
ou pelo calafrio que sentimos ao antecipar os movimentos do amor, que se esgueira
por detrás de uma árvore, tentando, como uma criança, nos tomar num susto belo e cômico em meio ao caminho que fazemos de volta, junto às sombras da praça a duas quadras da tua casa


não tento rosnar o amor

ladro baixinho
no volume infrassom
de palavras urgentes sobre o nosso amor
cotidiano e perecível
e sempre que percebo que ele quase se mostra
dizendo que é bem maior do que se pode sentir
te agarro firme
nos braços
no dente



quinta-feira, 25 de abril de 2013

refluxo, campari e tv aberta


o que era quinhão do acaso
eu não sei dizer
mas sei que pisava os acasos desde moleque
sei que tomava caronas
na pólvora das nuvens
pois chover ainda mantinha algum estilo
transcendendo pra debaixo da derme da cidade
lia minhas próprias vísceras borbulhando na febre das tardes
reconhecia teu rosto na vitiligo negra escorrendo das paredes do banheiro
não me furtava ao ataque sem amor – esse crime sintético
não negava um bom café da manhã ou um dedo de campari
posto, o que viesse era lei

(desconfiava que a verdade desperta dormindo num olho disléxico
mas, por via das dúvidas, mantinha no coldre meu quinhão de certeza)

foi então que os acasos se quiseram profundos
do calado da noite
na calada do dia
engolindo o tempo em soluços
só a tv sabia que as coisas estavam mais erradas que a profecia
a sala despida de móveis e de ti
com cantos brancos
me duvidavam e se perguntavam
e, oscilando, desmanchavam
no eco
ruído ruindo

(da janela, o sol agredindo as grávidas na praça sorri
com os mesmos dentes da minha precária certeza)

depois de algum tempo tudo parece óbvio
mas ainda não é
o terror no bojo do dia
não entrega
o que é sinapse
o que é fome
o que é fé

e, pensando bem,
eu – que tentei consolar deus
naqueles dias crus
onde ele me parecia mais fudido do que nunca –
merecia ao menos
um inferno decente

segunda-feira, 22 de abril de 2013

fato de sal


desliga-se assim
o viés da glória
e minha alma em pane
alma migratória
faz a última ronda nos cômodos
para libertar-se nos trilhos da noite
dos dias labirínticos
das vagas
das arenas
das dunas
dos cadáveres que se erguem das dunas
e quase desvelam-se em pó
num sopro de sal

este caderno é meu sudário

e não há credo nem castigo
não há gozo ou graça
não há mordaça
há tão somente
essa ironia

meu acaso
é uma moeda
de duas caras

encontro


mascando o mundo
o sol se ergue
obliterando
musgo          sonho       chão

não corro
nada me acerta
nada ousa me tocar
quando sou eu quem me atiro à morte 

jovem, levanta do sofá.
jovem, pule!
jovem, é assim que se faz.
jovem, mastigue antes de cuspir. Sing it!
jovem, expresse seus sentimentos.
jovem, procure e destrua.
jovem, dê um abraço no seu inferno,
jovem, os olhos são as janelas da alma,
jovem, pule!
jovem, six pack na conveniência.
jovem, mamãe já disse: antes de sair, desligue os aparelhos.
jovem, você que completou 18 anos, seja permissivo e que a leviandade e o cinismo iluminem seu caminho. SING IT!

 jovem, foda-se.

.

acelerando


acelerando
as palavras despencando do console

kick de coca
farol alto de fim do mundo
raiva truncada

um cachorro capota pra debaixo do carro

retirar os nacos de pele e pêlo
abaixar a tampa do vaso
comprar café
o tempo acumulado no capacho

daquela velha forma, sempre soube
há muito não te verei mais

no teflon
frige
as fotos
e os olhos

pela fresta, o pântano


na esquina
há um
vão

onde ainda te encontro
por onde vens me ver
pra saber
de pouquinho
o quanto nos afogaremos
nesse sol negro e líquido
no afago rude e teso
pedra  raiz – esse diálogo

no vão da esquina
na mesa
e então nas escadas
e então no parque
e então num dia
com meu olho roçando
o azul do teu

vou te pegar
espiando por entre meu esterno
– não sem o ruído das farpas crepitando a renúncia em revelar o tutano –
aberto numa fenda
que desvenda
o bestiário
de uma prole dourada na torpeza
– seus odores visgos gases numa branda fervura –
lustro e sentença
angústia e braço armado
ajudando o peito a chiar macio

ainda não
estamos certos

se
devíamos ter evitado
o vão
da esquina
desse sol negro e líquido
no azul do teu

passeio


descí do prédio
para fazer uns exames
sem saber se tinha a grana
ou se meu plano cobria
ou se meus planos coringas
tinham descido do prédio comigo
minha cara escorria do rosto
escorria do resto
– nos desolhamos em comunhão –
nos alimentamos da carniça dos carros
para retomarmos nossas procissões
no meio fio escritos
meio contritos

entro no banco para secar o suor
saio sentindo bem
como as pedras vindas da matriz
pedras carregadas nos porões
lastro cavando rastro no mar
pedras no passeio
sua beleza mortuária
aberta ao cuspe transeunte
pedra degredada
pedra digerida pela língua da garagem
estendida
estúpida estúpida

nada mais que o hinário dos cães

da espera


não
a semana não voará
não contarei os dias
pois os dias não se dão conta
do quanto se arrastam
de como se escondem
do quanto se negam
a se encadear

não
esse sol  não abrirá
rosas nas ruas vazias
um engarrafamento de nuvens
encherá as auroras de chumbo
desmanchará as horas num parque
as novas não chegarão
às nossas mãos

nem
a respiração será
morte ou companhia
nem a troca entre luz e breu
me poupará este sono perdido
bares e igrejas fincarão eterna vigília
crianças não choram
velhos não suspiram

não

não até chegares
não até que adormeças no meu peito
para que eu finalmente compreenda
as velocidades do tempo