Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

refluxo, campari e tv aberta


o que era quinhão do acaso
eu não sei dizer
mas sei que pisava os acasos desde moleque
sei que tomava caronas
na pólvora das nuvens
pois chover ainda mantinha algum estilo
transcendendo pra debaixo da derme da cidade
lia minhas próprias vísceras borbulhando na febre das tardes
reconhecia teu rosto na vitiligo negra escorrendo das paredes do banheiro
não me furtava ao ataque sem amor – esse crime sintético
não negava um bom café da manhã ou um dedo de campari
posto, o que viesse era lei

(desconfiava que a verdade desperta dormindo num olho disléxico
mas, por via das dúvidas, mantinha no coldre meu quinhão de certeza)

foi então que os acasos se quiseram profundos
do calado da noite
na calada do dia
engolindo o tempo em soluços
só a tv sabia que as coisas estavam mais erradas que a profecia
a sala despida de móveis e de ti
com cantos brancos
me duvidavam e se perguntavam
e, oscilando, desmanchavam
no eco
ruído ruindo

(da janela, o sol agredindo as grávidas na praça sorri
com os mesmos dentes da minha precária certeza)

depois de algum tempo tudo parece óbvio
mas ainda não é
o terror no bojo do dia
não entrega
o que é sinapse
o que é fome
o que é fé

e, pensando bem,
eu – que tentei consolar deus
naqueles dias crus
onde ele me parecia mais fudido do que nunca –
merecia ao menos
um inferno decente

Um comentário:

Dolores D'Alma disse...

Olá, Gustavo. Visitei sua pagina e adorei. Coloquei na minha lista de page. Visite sua vizinha. Grande abraço.