Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Time Out

Já eram quase cinco da manhã quando ela chegou em casa. Ele ali desde o final do Jornal da Globo. A impaciência lhe escorria pela testa, ali, atrás da porta do lavabo, esperando quieto. A tranca trancou, barulhenta, o corredor mudo. Era a primeira coisa que ele queria ouvir. E ele não queria ouvir muito.
Ela correu pra geladeira, o que já era de praxe. Ele soltou um peido num relaxo e saiu do lavabo. A sacola já estava na sala. Esperou ela abrir uma lata de refrigerante. Seguiu entre as mesinhas, vendo na escuridão, feito um rato condicionado. Quando ela cruzou a porta ele cuspiu um beijo. E agarrou-a pela cintura. A mão aracnídea tapou a boca. E apertou-a contra o peito. A lata caiu.
-- Cinco e pouco da manhã...
Ela que antes quis gritar suspirou um "porra!". Ele, atrapalhado, jogou-a na cadeira que ela, "sofisticada", chamava de poltrona. Ela furiosa e contida:
-- Ficastes doido, foi?!
Ele, num sorriso e movimento rápido, passou-lhe a silver tape na boca. Depois, com dificuldade atou seus braços aos da "poltrona". E foi quando, pela primeira vez (apesar de todo o tempo que haviam passado juntos), olharam-se nos olhos. Ele ia falar, quando o telefone tocou.
Não pensou muito e disparou: "É melhor tu atender!". Achava que era o que devia falar e estava no controle:"Fica tranquila... tarnqui...!". Depois que ele arrancou a silver tape ela atendeu com a boca vermelha sem batom.
-- Alô........................ Nina?! Tudo Bem? ......
Olhou pra ele.
-- ...................................................................
Ficou quieta.
-- Eu não te disse?! Eu sabia que ele tava com aquela piva daquela atendentezinha! Por isso que me despediu. A Mariana... era tão na cara... parece filme! Patif...
Ele olhou pra ela, a testa franzida, mais repreensível que um pai. Foi o suficiente. Ele riu. Bem lá dentro ele riu. Mas as sobrancelhas fizeram-na desligar o telefone.
-- É... sei... tenho que desligar... tchau...Tchau! "Clanc".
Ele retornou a silver tape. Mas não queria o silêncio.
Ele surrou algumas paredes por aqueles momentos. Roeu várias fronhas com os molares inseguros --sisos à cisão -- pelos segundos seguintes.
"Foda-se" ele correu pra sacola do lado do sofá-cama. Pegou a Black & Decker e procurou uma tomada. Nela, os olhos brilharam como ele nunca tinha visto. O Sol (a cor do quarto ia mudando e ele nem aí). Ligou. E um ônibus passou junto, eliminando um  mistério. Segurou a aceleração.
Abriu, cuidadoso, o Time Out do Dave Brubeck. Ele sempre ensaira uma trilha sonora. "E essa era original" ele queria acreditar.
Play! (hoje tudo é tão bilíngüe). E se voltou contra ela.
-------
Conto publicado na Revista Cult em junho de 2002 sob o pseudônimo (que babaquice!) de GBandini. Dá meio que uma vergonha ver alguns exageros/erros da época, mas vale pelo recuerdo.

Nenhum comentário: