Poesia de garagem, música, descrições e indiscrições. Um blog tardio mas que nasceu de sete meses, angustiadinho e agora com algumas revisões gramaticais.

domingo, 13 de setembro de 2009

Desguiado por vozes.

Chegando da Ins'anos 90 me deparo nos imeio (sim, eu tomo a última na frente de um computador, às vez) com um tributo da Midsummer Madness pro Guided by Voices. !!!!! .
Dá pra ouvir parte do disco clicando nos my spaces das bandas e, dentro dos altos e baixos de qualquer tributo, foi o suficiente pra eu pedir um pra mim pelo site.
Minha adolescência é 90. Ponto pacífico. Foi nessa época que se fez claro o meu "desguio". Por mais que os anos e minha própria formação com meus pais me tenham trazido um certo ecletismo, inevitavelmente, o que eu ouví entre 89 e 98 são fontes puras de prazer e aquele clima de where i belong.
Podia, de repente, "discorrer" sobre o tributo inteiro e tals.. Mas foda-se! Cês tão lendo um blog. De um bêbado. Às sete. Ou melhor quinze pras nove. 
Então falo dos Guidis. Talvez minha banda predileta hoje. Digo talvez pelo meu supracitado ecletismo cancerígeno. Foi a primeira banda que eu ouví, com letras em português, que tinha as mesmas referências da minha adolescência sem a babaquice da maioria das banda que tentam fazer o mesmo. Existe algo de honestidade que a gente só sente, que nuunca é palpável, que é inexplicável. Sensação e foda-se.
Lembro feito ontem o velho Sidão me entregando o primeiro disco da Superguidis e dizendo "Ouve! Tu vais curtir" Foi meu disco com a Paula por um ano e aí trouxemos eles pro Grito Rock aqui em Belém em 2007. Dessa parada lembro de mostrar pra eles uma banda foda, El Mató A Un Policia Motorizado ("porra, cês tão lá do lado da Argentina e vêm conhecer esses caras aqui na Amazônia?!"), de uma sessão de violão de "The Wall" completo no apartamento do Marcel e dos coitados sendo acordados às 3 da manhã - haja profissionalismo!- pra dar uma entrevista pro Ressaca Moral.
Nos falamos outras vezes como na Bafim. Molecagens boas. E tô ansioso pelo novo disco.
Enfim, permitam me, Pelvs, Second Come, Cigarrettes, Wry e etc.: Os Guidis são um passo à frente.



E como começamos falando do Guided, segue a música dos Guides que mais entrega a influência. Foda:

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Grandes indústrias: desconfiança e desrespeito.

Por causa de um "surto esquizofrênico" do meu Windows Vista, neste exato momento estou usando meu PC com o sistema operacional em modo de funcionalidade reduzida
Estava no meio de um trabalho quando PAM! um simpático aviso me informa que, para continuar a utilizar meu computador, eu teria que reativar minha licença do Windows Vista que tenho instalado em meu PC há mais de dois anos. Sim, meu PC totalmente legal com o Windows Vista original simplesmente, sem nenhum motivo, resolveu parar de funcionar. É como se meu microondas de dois anos de repente se virasse pra mim e dissesse "Ê, bicho, peraí! Só vou esquentar essa pizza se conseguires me provar que tu és o meu dono mesmo!". 
Não vou entrar em detalhes muito profundos pra não encher o saco, mas é preciso dizer que  digitei o código da Chave do Produto (que está num adesivo da Microsoft colado na lateral do meu PC) e o sistema simplesmente NÃO RECONHECEU SEU PRÓPRIO CÓDIGO. As soluções que a Microsoft me deu  não resolveram nada. Dos 5 atendentes que me enrolaram no suporte por telefone só um me deu a real: "Não estou fazendo a mínima idéia do que aconteceu com o senhor, então, para estarmos solucionando seu problema, o senhor deverá estar mandando esse, esse e esses documentos para podermos estar avaliando a possibilidade de enviar uma nova chave do produto". 
Na outra solução o Vista me permitia o uso do meu computador com funcionalidade reduzida para que eu pudesse tentar achar uma solução on-line (e é por isso que conseguí acessar o blog). Agora não posso sequer visualizar meu desktop, que dirá dar continuidade aos trabalhos que tenho no meu "computador pessoal".

Esta longa introdução vale como registro da minha indignação e pela coincidente relação que o fato tem com um texto excelente do Hermano Vianna para a Folha e que o Vista me permitiu receber hoje num e-mail do Fabrício Nobre. Ele fala claramente sobre a miopia, desconfiança e subsequente malacagem da grande indústria fonográfica. O texto serve pra qualquer outra "grande indústria" que desrespeita sem um pingo de vergonha seus consumidores que tentam se manter "no caminho do bem". Fiquem com as palavras sempre lúcidas do Hermano.


O mercado da desconfiança 
Consumidores que baixam arquivos legalmente na internet têm que abdicar da própria privacidade e são maltratados por empresas que parecem acreditar que a honestidade não compensa, diz antropólogo
 


Diante da cultura digital, muitas empresas afastam até quem se empenha em seguir todas as regras


HERMANO VIANNA
ESPECIAL PARA A FOLHA


Governos de vários países estão criando leis para que suas alfândegas possam apreender computadores com softwares, músicas e filmes "piratas". Estou tranquilo: não há nada não autorizado em meus "hard disks". Mesmo canções: escuto aquelas que seus autores disponibilizaram livremente na rede. Ou pago por imagens, sons, textos, códigos quando avalio que o preço é justo. Caso contrário, parto para outra: há uma abundância de material interessante para se baixar legalmente e de graça por aí.
O problema é que, cada vez mais, tenho me sentido punido -ou tratado como otário- justamente ao agir dentro da lei, e mesmo depois de pagar para ter acesso a determinados bens protegidos por leis que dizem defender criadores/autores/ artistas.
Para entender o patético do meu empenho na honestidade, vale a pena narrar um episódio recente, cheio de lições morais bem contemporâneas.

Indignação 
Vladimir Jankélévitch foi filósofo e também pianista. Numa de suas melhores entrevistas, as respostas eram dadas tanto pela fala quanto por interpretações de obras de seus compositores favoritos: Debussy, Fauré, Ravel. Tenho uma transcrição de suas palavras, interrompidas por trechos de partituras, publicada em livro nos anos 80 ["Vladimir Jankélévitch", em francês, ed. La Manufacture, 1986].
Meu exemplar está com páginas soltas de tanto que foi relido. Volto sempre a momentos como aquele em que Jankélévitch declara que gosta mais da luminosidade de Tolstói do que dos subsolos de Dostoiévski: "Estar em plena luz, na evidência, na presença total, quando as coisas estão imóveis no ar do meio-dia, é lá que o mistério é mais perturbador".
Ou a resposta sobre a nostalgia: "O tempo revela o charme das coisas sem charme. É por isso que o tempo é poeta. Só os poetas e pintores são capazes de conhecer de imediato o charme do presente. [...] Utrillo [1883-1955] pintava um poste ou um muro num subúrbio sórdido... e isso fazia sonhar. O que os poetas e pintores sabem traduzir no presente, o tempo o traduz para nós que não somos nem pintores nem poetas. É o tempo que é poeta para nós".
Queria comprar uma nova edição do livro. Procurei nas lojas da internet: acho que está esgotado. Lembrei que a entrevista tinha sido gravada originalmente para o rádio. Conseguir uma cópia do arquivo sonoro seria fenomenal. A conversa começa com Jankélévitch afirmando que seu meio de expressão é o oral ("meu negócio não é a escritura"). O áudio apresentaria também seu piano. Fui então parar no site do Instituto do Audiovisual (INA) francês, que anda digitalizando e vendendo o acervo das TVs e rádios públicas como a France Culture. Só havia trechos da entrevista que procurava. Descobri que o que foi publicado no meu livro era um remix de várias entrevistas.
Como resultado da busca, encontrei o vídeo da edição de "Apostrophes", com Jankélévitch (não) respondendo à pergunta "para que servem os filósofos?". Resolvi baixar para ver o programa completo. Custava 5 (R$ 13). Caro para algo que, se não me engano, foi pago pelo dinheiro público francês há décadas. Mas sei que o trabalho de digitalização e disponibilização desse tipo de acervo não é barato, nem simples.
Resolvi colaborar. Fiz meu cadastro e a compra. Sempre receamos passar dados para novos sites, que não sabemos se são realmente seguros. É questão de confiança: esperamos que seus administradores vão ter cuidado com as informações. Mas mesmo tendo fornecido até o número do cartão de crédito, logo descobrimos que o INA não confia no comprador.
Não tinha sido informado (ok, não li com atenção os termos de uso) de que precisaria baixar outro programa para ver o vídeo já pago. Resultado: novo cadastro em outro site desconhecido e a obrigação de instalar um programa no qual também precisamos confiar (temos mesmo a certeza de que o programa não vai transmitir informações de nosso computador para sua empresa?). E, depois disso tudo, antes de ver o vídeo ainda somos obrigados a ultrapassar uma mensagem policial nos ameaçando com o aviso de que o arquivo contém uma marca d'água digital que nos identificaria caso seja utilizado ilegalmente. Somos tratados todos como potenciais bandidos, como piratas de vídeos filosóficos.

Negócio furado 
Não vi a entrevista, indignado. A mesma indignação moral que me causou outra compra também motivada por Jankélévitch. Na entrevista-remix de meu livro despedaçado, ele conta que chora ouvindo música, e que as lágrimas sempre acompanham qualquer audição de "L'Enfant et les Sortilèges" [A Criança e os Sortilégios], de Ravel.
Outro dia, numa das poucas lojas de discos que nos restam, deparei com uma nova gravação dessa obra, com a Filarmônica de Berlim conduzida por Simon Rattle. Comprei, apesar do preço extorsivo (três vezes mais do que no exterior). Estou virando quase uma central de filantropia para modelos de negócios artísticos decadentes.
Na capa, dizia ser um OpenDisc: "Insira este CD no seu computador para acessar o EMI Classics Club. Acesse material bônus, sessões de escuta exclusivas e mais". Claro: o acesso não é imediato, apesar do preço que pago pelo CD físico. É preciso fazer o cadastro, é preciso concordar com a política de privacidade e termos de uso sinistros. O "disc" não tem nada de "open". Como ninguém lê esses contratos, vou transcrever aqui algumas passagens. Tudo começa aparentemente "do bem": "O OpenDisc respeita sua privacidade. Para atendê-lo(a), precisamos coletar algumas informações pessoais. Nós nos preocupamos em proteger essas informações.
Veja abaixo nossos compromissos em seu favor". Para ver os compromissos -"em nosso favor"-, precisamos clicar em vários links. Com que finalidade as informações são coletadas? "Essas informações são essenciais para nós, bem como para o artista e para a gravadora, para que forneçamos para você serviços com qualidade e que o conheçamos melhor." E ainda: "Ocasionalmente, usaremos suas informações pessoais para convidá-lo(a) a participar de pesquisas e concursos para medir a sua satisfação".
Papo furado. Quem disse que eu quero ser conhecido melhor ou convidado para qualquer coisa? CEP e data de nascimento não são necessários para o serviço de ver vídeos e ouvir música. Eles me obrigam a me tornar conhecido, arquivando meus dados. É o preço que pago para ter acesso ao material que me foi propagandeado como "bônus" ou "aberto".
A política de privacidade, que na realidade impõe a abdicação da minha privacidade, diz também que minhas informações não serão fornecidas para terceiros, mas podem ser enviadas às subsidiárias da gravadora em todo o mundo. Eu tenho que confiar nessas subsidiárias todas, que nem sei quais são. E a recíproca não é exatamente verdadeira. Sou tratado com extrema desconfiança: tanto que não posso reproduzir, "em qualquer meio", o conteúdo a que tiver acesso.
Desisti de ter acesso. Como desconfiam de mim, vou desconfiar também. Não sou ingrato. Pelo contrário: tenho enorme gratidão pelos momentos de intensa alegria e iluminação cultural que me foram proporcionados pelo trabalho das grandes gravadoras. Acho que as gravadoras também deveriam me agradecer: fui consumidor ideal, comprei milhares de discos (e comprei o mesmo disco várias vezes: em vinil, em CD...), ajudei a divulgar a carreira de muitos artistas etc. Mas tudo tem limite.

A falta e o vício 
É pena ver uma história de criação tão rica terminando de modo tão mesquinho, com o público sendo tratado tão mal, até por políticas de privacidade tapeadoras. Quem paga é feito de bobo. Essas políticas parecem querer nos ensinar que a honestidade "não compensa".
Será muito difícil perceber que tudo isso é suicídio comercial, é perda de credibilidade total? Volto à filosofia moral de Vladimir Jankélévitch. No seu livro "O Mal", ele identifica uma gradação da malvadeza. A falta é um acidente, uma negligência: pode acontecer com todo mundo. Já o vício "é o movimento da falta, continuado e tornado crônico" -o vício está para a falta assim como a paixão para a emoção momentânea. Mas ainda pode ter cura.
Já a "méchanceté" (maldade, ruindade...) é o baixo absoluto, o zênite do mal, uma "qualificação do caráter", algo que toma conta da totalidade da pessoa. Aí não tem mais jeito... Diante da cultura digital, muitas empresas já cometeram muitas faltas, se tornaram viciadas nessas faltas e por isso estão se transformando em marcas ("brands", encarnações etc.) da maldade, afastando mesmo quem se empenha em seguir todas as regras.
Ler Jankélévitch deveria ser obrigatório para seus diretores e advogados. Começando com os livros "A Má Consciência" e "A Mentira" até chegar, quem sabe, no "Tratado das Virtudes", que está completando 60 anos de sua primeira publicação.


HERMANO VIANNA é antropólogo e pesquisador musical, autor de "O Mistério do Samba" (ed. Jorge Zahar), entre outros livros.

sábado, 5 de setembro de 2009

Esse é o som que descomanda!

Quem é você pra não dançar?




 






Randy e Dj Konsiderado comandantes: Dúvida?! Nenhuma!
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sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A melhor banda dos meus últimos tempos.

Interessante. Ia comentar no post abaixo que talvez a primeira parada que me aproximou do sci-fi não tenha sido livro ou filme, mas um disco. Ou melhor: uma banda. Não comentei porque achei que ia complicar demais, aí resolví deixar pra outra hora. E então...
Estou nesse exato momento - graças à dica preciosa do velho comparsa Damaso - ouvindo o novo EP do Flaming Lips, minha banda de cabeceira desde os idos de 93/94, que prepara terreno pro novo disco Embryonic. E esses porras continuam me surpreendendo. Tudo bem, já devo estar naquele estágio de fã velho pra quem tudo o que a banda grava faz algum sentido bacana. Mas, não sei, não é isso!


Podia dizer que é pela "evolução" da banda. Mas eles não se superam, não "evoluem", simplesmente continuam seguindo caminhos diferentes. Nada do que ficou pra trás é menos importante ou legal e nada do que eles fazem de novo é menos inventivo ou impertinente pro que se faz hoje na música. Muito pelo contrário, se um dia eles foram freaks alternativos, hoje são uma das bandas mais importantes do mundo.



E eu aqui fico besta e admirado. Putz, esses bichos começaram em 83! De lá pra cá já rolou de tudo: banda tosca e junkie (da época da música Jesus Shooting Heroin) no ínício da carreira; fizeram dois discaços pela Warner (Transmissions from the Satellite Heart e Clouds Taste Metallic); criaram um álbum-conceito completamente experimental e pirado (o quádruplo Zaireeka, que um dia ainda vai ganhar um post especial aqui); se tornaram grandes e importantes com o Soft Bulletin que chegou a ser comparado algumas vezes ao Pet Sounds e seguiram se reinventando e pirando cada vez mais.



Mas o mais foda, o que mais me cativa profundamente nessa banda, são os extremos que a música dos Lips consegue alcançar. Esses extremos vão do senso de humor freak e distorcido a considerações sensacionais sobre a condição humana, sem babaquice hippie ou esquizitices que forçam a barra. O que dizer de uma banda que dá títulos às suas músicas como Guy Who Got A Headache And Accidentally Saves The World ou Ego Tripping At The Gates of Hell e, ao mesmo tempo, consegue fazer um fã ter um momento profundo com o pai que sofre de câncer ouvindo a letra de Do You Realize? (lí o relato do cara numa lista de discussão sobre a banda há um bom tempo atrás)?




O Flaming Lips continua sendo minha banda predileta por reunir tudo o que eu busco em música (psicodelia, barulho, sutilezas, molecagem...) ou, sei lá, nas artes em geral: pretensão nas intensões, despretensão na execução. Um dia realizo o sonho de trazer o Wayne Coyne pro Se Rasgum. Mas aí é o começo do fim, não sei o que eu gostaria de alcançar à partir daí. 

Reanimando minha liga com sci-fi.

Aprendí a gostar de ficção-científica e levá-la a sério há poucos anos. É um gênero mal compreendido pela maioria das pessoas talvez por causa de alguns estereótipos bobos e simplistas usados nas produções médias desse tipo de fita.  
Claro que sempre curtí alguns clássicos de sci-fi que não precisam nem ser citados, mas só vim entender ao que o gênero se propõe de verdade depois de ler dois livros esclarecedores: Flashbacks, biografia do Timothy Leary e A Contracultura Através dos Tempos, do Ken Goffman e Dan Joy. Comecei a curtir na real quando saquei que o melhor da ficção-científica, muito além de simplesmente entreter (o que pra mim é fundamental, ainda que complementar), te faz imaginar, questionar e muitas vezes construir os rumos a serem tomados. 
Cada um a seu jeito, esses dois filmes abaixo que ví essa semana me empolgaram e me fizeram lembrar de voltar a fuçar bons títulos de sci-fi.

Renaissance (Paris, 2007)
 
Paris em preto e branco num futuro próximo ambienta a trama que envolve sequestro, intrigas de submundo, policial escrotão e o extremo em pesquisas cosméticas. Ficção científica com climão noir, essa animação francesa é um primor gráfico. O conceito de cidade-luz toma uma nova dimensão nos cenários que mesclam de forma interessante e por vezes sutil, o antigo e o novíssimo, a beleza clássica e o funcionalismo futurista. A sequência de uma perseguição policial, por exemplo, salta aos olhos: a fluidez do on the run e a secura das batidas numa pista que corre logo abaixo da via de pedestre (que vem a ser uma passarela de vidro translucido gigante) pra mim foi emblemática.



Pena a história não ser das melhores. Tá longe de estragar o filme, mas fiquei imaginando uma versão dessas pra Reconhecimento de Padrões do William Gibson.

Paprika (Japão, 2006)

Sinistramente fantástico. Best bad trip ever! O Paprika tem seu argumento no mesmo nível da direção de arte. O roteiro consegue costurar muito bem uma trama bizarra: quando um aparato médico que permite uma nova e revolucionária terapia (onde o psicoterapeuta consegue visualizar e interagir com os sonhos dos pacientes) é roubado por um "terrorista onírico", a cagada tá feita!
Esse é um dos melhores filmes que ví ultimamente. A história é complexa e vai se desdobrando de forma surpreendente como num sonho mesmo, até certo momento ser difícil separar a realidade da ilusão. Cada personagem tem profundidade e função no roteiro, nada é gratuito. E, como o próprio inconsciente, não há muito espaço pro politicamente correto (postura sempre louvável nas criações japonesas, nem sempre presente nas produções ocidentais) e aí somos presenteados e surpresos com sequências fenomenais.



Pra mim, Paprika é mais uma pequena obra-prima da ficção oriental (tenho que conseguir uma tradução do livro) e da animação japonesa. Imperdível!

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ubu Roi. Dali foi.

É interessante e divertido que a grande imprensa ainda caia em - e continue repercurtindo - molecagens dadaístas de algumas bandas nacionais. A revista Época, em defesa aguerrida do conteúdo preciso que oferta aos seus leitores, botou os Móveis Coloniais de Acaju na parede:
"(...)Para falar a verdade, o nome não tem uma explicação definida. Eu simplesmente queria colocar um nome exótico e estava lendo um livro em que um ladrão roubava um bilhete de loteria de uma mesa da madeira acaju. Acho que era um livro francês sobre o ladrão Arsène Lupin. Acaju. Nome engraçado. Dali foi.(...)" Tá aquí!
É a primeira vez que acho graça da explicação da piada.
Leia ouvindo: Bad News - Trilobit
P.S.: Quem me informou foi o Tarja Preta

Endomancia.

  Eu tinha a certeza de nunca ter tido a coragem dos grandes homens. De não ser revestido de brio suficiente para encarar a sorte do mundo. Tudo o que eu tinha (além daquela simples certeza) eram sete anos.
  A algazarra – única profissão de fé e entusiasmo das crianças, agnósticos por excelência – fazia brilhar mais as folhas dos galhos e azulejos do fundo da piscina, a espuma no topo das taças cheias de cerveja e alguns olhos adultos. Naqueles dias que antecipavam as festas, o sítio aumentava de tamanho. Do portão aos confins escuros no fundo da pequena propriedade, estendiam-se e escondiam-se segredos revelados somente às menores retinas. Debaixo de um jambeiro, todos desafiavam um reino de cabas assassinas; numa chuva, represava-se com areia, cacos de tijolo e pedaços de madeira, pequenos lagos para naus de caixas de fósforo que seguiam em vias cuidadosamente construídas para desembocá-los numa vala enorme, um pequeno córrego que cortava toda a vizinhança; nesse mesmo córrego colhiam-se girinos e a caça de muçuns era permissiva, para alegria dos mais velhos de ar-comprimido. Escalado na goiabeira, eu enxergava tudo com receio e asma, levado na torrente da vida.
  O córrego separava o mundo de alvenaria dos fundos do sítio. Lá árvores mais densas resfriavam o ar cobrindo um pequeno galinheiro e a casa do caseiro com seu pátio de cheiro úmido e limo, cercado de leves cantigas engaioladas. A casa me parecia irregular como se uma pequena onda erguesse o solo numa ponta da construção de madeira. O pequeno interior pulsava lento nos longos intervalos do abre-fecha da velha geladeira. Ali nada era morto. Mas nada era exatamente vivo.
  Tinha chegado mais cedo nesse sábado e ouvi, amarrado ao pé do pátio, um balido paciente. O bode de chifres jovens erguia a pata dianteira e bafejava. Fiquei parado, de ombros murchos e braços estendidos ao longo do corpo, por algum tempo conversando com os olhos do bicho até ouvir o primeiro bumbo de um samba colocado por meu pai. Corri de volta ao barracão onde a voz de Roberto Ribeiro chamava. Meu pai com os braços erguidos sacaneava meu padrinho que acabava de chegar: “Professorzinho de merda!”. A resposta era sempre de um amor impublicável. Abraços e mais copos. O sítio, devagar, ia se enchendo de mais gente, abraços e copos. Era sempre assim, não só pelos três dias de natal que viriam pela frente. Tios e primos e os amigos de tios e primos se avolumavam entre discos, cerveja, conversa de venturas. Tudo correndo igual exceto pelo balido displicente amortalhado pelo barulho da piscina.
  Por volta das três da tarde, quando todos nós olhávamos fixo procurando pequenas bolhas no córrego, duas figuras adultas atravessaram a pequena rampa que cruzava a vala. Os mais velhos e eu desviamos a atenção para o caseiro e meu tio que preparavam algo perto da pequena casa dos fundos. Nos levantamos e, seguidos pelo resto de moleques, corremos para perto dos dois. Podia ver três bacias, uma pequena sacola, uma corda azul, um copo pequeno, uma garrafa de cachaça dourada, o peito vazio cheio de si do meu tio. Algumas mães vieram pegar os seus menores. Fiquei, os pés fincados atrás de alguém maior. Ouvia a harmonia engaiolada mesclada em antecipação ao gemido sinistro do bode e as vozes grossas de ordem “Tem que amarrar firme aí por cima desse pau do telhado, viu?”. “Passa a corda nas patas de trás do bode, aí. Aperta!”. Como num contrato tácito, o animal não criava o menor problema. “Deita o bicho, deita que eu vou puxando a corda aqui, na manha”. “Isso!”. Um balido. “Vai, sobe mais. Não, cacete! Até a cabeça bater aqui no meu calção”. Um gole. “Isso aí. É só prender bem a corda e pegar a madeira”. Outro gole. “Agora bate firme. É, entre o chifre e o pescoço”. Mais um mé. “Dá-lhe!”
  Os meus olhos abertos. Os do bode também. Da boca pequenina surgiu uma baba carmim que logo se transformou num filete curto que pintou círculos no aço da bacia. Meu tio abriu a bolsa e disse ríspido “Vamo, quem é o cabra que vai dar conta do bode?” e seguiu numa risada “Sacô?! Cabra!”. Durante o resto de risada todos voltaram para a piscina: por constrangimento, tédio ou asco. Eu fiquei. Recobrando a sisudez ele retira a faca e retoma as ordens. Traça mapas no couro. Fura o pescoço e o sangue flui. Seus olhos diminuem. Observa o bicho se esvair até quase secar. Começa a separar o couro da carne numa calma fingida, dando ordens pro caseiro que nada faz, uma vez que ele próprio executa o trabalho preciso. Num canto dos lábios um cigarro, noutro uma felicidade estranha. Sem o couro, o corpo claro e rosado refletia a luz quase opaca que vazava entre os galhos. Ele desceu o animal e com outra faca – e eu nunca entendi  a diferença entre essa e a primeira – rasgou a linha do abdômen do ventre ao peito. Os intestinos escorregaram para outra bacia. “Se só sobraste tu dos cabra frouxo, vem ajudar teu tio a lavar os miúdos, moleque”. Me ajoelhei ao lado da bacia e daquele corpo de olhos abertos. As pequenas pedras do chão batido doíam nos joelhos, os odores novos e levemente doces mexiam meu estômago, mas eu engolia minha saliva estoicamente. O caseiro do meu lado segurava uma mangueira pra ajudar na lavagem. Meu tio ia cortando os órgãos um a um e nos entregava. “vai, limpa primeiro esses rins pra aprender”. O rim, um pouco quente, ainda parecia vivo. Limpei-o como um pequeno troféu. O resto das víscera ia se seguindo: fígado, pulmões, coração. Tudo despejado na terceira bacia. Os intestinos iam ficar por conta do caseiro mas pedi para ajudar no processo. “Cheios de bosta!” e eu não tinha certeza a quem ele se referia. Esticávamos as cordas delgadas espremendo-as, esvaziando toda a merda no chão, depois um jato de mangueira no interior para limpar os restante. Eu estava radiante. Da sacola ele sacou um cutelo, e com uns três ou quatro golpes no pescoço separou a cabeça. “Pronto, agora é só guardar”. O crânio pousado na janela não me fitava mais.
  Ouvi alguns gritos vindo do campo de futebol, times sendo separados, aquecimento. Voltei pra piscina para me lavar antes que me pai me visse, guardando tudo. A festa continuava e continuaria até segunda, dia vinte cinco. As brincadeiras permaneceriam as mesmas. O zelo extremo de minha mãe também. As gargalhadas dos adultos, a bebedeira reluzente, as discussões acaloradas. Os balões, as luzes artificiais, as nozes, as frutas quase vermelhas não mudariam o tom. Apenas a ceia seria diferente com o bode assado do baiano. Algo havia morrido naquele natal.

Biritando nos Campos do Senhor.

 O disco do Carlos Careqa, À Espera de Tom, é foda. Simples assim. Fazer versões em português para um cara cult (leia-se: cheio de fã chato pra caralho) como o Tom Waits é, no mínimo, corajoso. Imitar a voz e os trejeitos, então, é arriscar ainda mais. Quando se trata de refazer letra, uma coisa fácil de acontecer (e bem recorrente por aqui) é a versão perder muito do sentido original ou ficar tão reverente que a poesia e a manha da coisa leva o farelo. A parada mora em algum canto entre esses dois extremos. E Carlos Careqa achou o ponto certo nesse disco, mas bem claramente nessa Guaraná Jesus (Chocolate Jesus do Mule Variations, 1999).
  Toma ele aí ao vivo num Sesc da vida: